Capítulo 02 : Mais um dia de trabalho

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Depois de muito pensar e desistir devido a uma dor de cabeça lancinante, decidi me apegar ás justificativas mais plausíveis:

1. Tudo não passara mesmo de um sonho, pois eu estava vivinha e muito bem.

2. Estava tão cansada que nem conseguia me lembrar de como voltara. Provavelmente, eu dirigira no "piloto automático". Que perigo!

3. O estresse da semana havia mesmo me enlouquecido.

Ainda bem que nada havia acontecido comigo e eu conseguira chegar sã e salva em casa. Da próxima vez, com certeza, vou dar um jeitinho de levar alguém comigo para garantir a minha segurança e a minha sanidade.

Depois de me satisfazer com minhas conclusões, tomei um banho demorado, para tentar relaxar e me preparar melhor para o longo dia de trabalho. Enfiei o corpo debaixo da água morna e quase que instantaneamente me senti amolecer de dentro para fora.

Sem pressa alguma, fui lavando os cabelos e me ensaboando. Sei que estamos em uma eterna crise hídrica, contudo, eu sentia que precisava deste tempo debaixo da água, senão enlouqueceria ainda mais. Assim que terminasse, poderia dar um jeitinho de me redimir com a mãe natureza e economizar o suficiente para repor o que estava gastando.

À medida que a água ia escorrendo pelo meu corpo, eu me sentia cada vez mais forte e revigorada. Joguei a cabeça para trás e deixei que atingisse o meu rosto, com os jatos massageando minha face.

E quando relaxei o suficiente, senti que uma sensação estranha veio. Era como se algo começasse a borbulhar dentro de mim. E de repente, a suavidade da água começou a sumir, aos pouquinhos, uma impressão densa e pesada parecia ir tomando o ambiente ao meu redor. Era quase sufocante...

Ainda com a cabeça para trás, abri os olhos e quase instantaneamente tampei a boca para não gritar!

Por alguns segundos podia jurar que vira tentáculos saírem de dentro de meu chuveiro, tentando me alcançar através da água que caia sobre mim. Eles eram um tanto esverdeados, um tanto negros. Pareciam gosmentos e repletos de miasma¹. O que quer que tocassem, transformava-se em algo putrefato e decomposto. A água, antes cristalina, estava turva e escura. O metal do chuveiro não era mais prateado e sim, enferrujado e cheio de mofo.

Pulei para o lado e agarrei a primeira coisa mais próxima: um frasco de shampoo. Brandi-o tentando me defender, contudo, assim que voltei a olhar direito para a cena a minha frente, os tentáculos não estavam mais lá, a água escorria limpa, o chuveiro continuava normal e o box repleto de riscos de shampoo pelas paredes e vidros.

Devagar, estendi o braço e virei a torneira, morrendo de medo que aqueles tentáculos voltassem. Depois, agarrei a toalha e sai o mais rápido possível dali. Sentei-me no vaso sanitário, de frente para o chuveiro e só depois de constatar que mais nada apareceria ali, respirei aliviada.

Provavelmente, eu havia cochilado por um micro segundo e sonhado... Ou algo assim.

Olhei para minha mão e vi que ainda segurava o shampoo com força. Também reparei que, apesar de ter agarrado a toalha, não havia me enrolado nela e nem me secado, apenas a trazia presa na outra mão e o banheiro, agora, estava todo molhado com as minhas pegadas e da água que escorria de meu cabelo e corpo.

Suspirei resignada e reprimi um sorriso nervoso. Coloquei o frasco em cima da pia e me levantei a fim de me enxugar de fato. Fiz tudo o que precisei fazer, coloquei a roupa do trabalho, escovei os dentes, perfumei-me e quando fui me maquiar, parei por alguns segundos para analisar o meu reflexo no espelho.

Continuava com as mesmas madeixas longas e negras, ainda tinha o rosto "cheinho", os lábios carnudos e os olhos castanhos. Nada de excepcional... No entanto, eu conseguia notar uma vivacidade emanando de minha pele. Eu parecia mais jovem e, ouso dizer, vistosa.

O Azul mais ProfundoOnde histórias criam vida. Descubra agora