Prólogo - Fedria

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  O cheiro de fumaça inundava as narinas como uma mácula inerente ao ar. Uma mancha pegajosa que grudava em forma de fuligem no rosto e no paladar, era nojento e repugnante. Cinzas choviam, o céu estava cinzento, mas o dia era vermelho.

  As labaredas dançavam alegremente como se fizessem troça da cidade na qual ardiam. Brilhavam eternamente como um macabro farol que para começo de conversa tornou fácil trazê-los até aqui, dos descampados orientais até aquele bastião dos homens e sua ruína. Nada restara dele, a grandiosa Fedria dos ricos comerciantes de especiarias e lã agora era uma pira fumegante de pedra e ossos. 

  Quem poderia ter feito isso? Que criatura maligna teria pilhado uma cidade de dezenas de milhares de habitantes e a destruído até seus alicerces a troco de nada? Todo elfo ali já tinha escutado as histórias da criatura que estavam esperando encontrar ali mas...ver aquilo era completamente diferente. Olhar para as obras de Felagund causava a exata impressão que ele queria que passasse: nojo, aspereza, indignação...terror.

   Beatrice tinha plena noção disso, seu cavalo tinha ficado arisco à aproximação daquela energia obscura quase palpável. Ela tinha seus longos cabelos loiros amarrados em uma trança de flores azuis que, conforme chegavam perto de Fedria, murcharam. Sua armadura verde era imponente, uma relíquia de dias esquecidos do povo élfico, e seu manto de folhas outonais era a insígnia da majestade de uma rainha guerreira de outrora.

    — Celephil — Beatrice chamou, seus olhos azuis miravam para além do fumaceiro. Tentavam ver por dentro dos muros tombados.

   — Sim, Vossa Graça — O seu segundo em comando atendeu prontamente e fez uma mesura rápida.

   — O que os batedores trazem de novo? —

   Celephil parecia nervoso das unhas até os nervos, nem de longe com a compostura que lhe era comum. Tinha medo e, se ele tinha medo, seus homens provavelmente estavam aterrorizados. Todo seu exército de cavaleiros elfos estava esmagado pela perspectiva de encarar aquilo antes mesmo de entrar pelos portões em escombros.

   — Apenas o crepitar de chamas, Vossa Graça, não há mais nada a ser ouvido. Encontramos as manganelas, os trabucos e as catapultas abandonadas a nordeste, parecem estar abandonados —

   Ela pensou por algum tempo nessa informação e ponderou. Refletiu sobre o que seu pai faria nessa situação. Gordon Silverwings tinha ido pessoalmente atrás de cada um dos senhores élficos remanescentes, um por um, para exortá-los à guerra contra Felagund. Também tinha forjado uma aliança com os Homens de Essain, os arcontes concordaram em uma aliança temporária com os detestados elfos.

  — Queime todos. Não quero um único trabuco construído por demônios de pé — Foi  categórica ao máximo, embora um quê de hesitação ainda restasse.

   — Vossa Graça, queira reconsi... — Celephil balbuciou.

  — Não, já considerei o suficiente. Nossos aliados de Essain trarão suas próprias armas de cerco e eu não usarei nada que tenha causado isso a inocentes — Apontou para a cidade ao longe. Celephil teve que concordar a contragosto e partiu com um pequeno grupo.

   Ao mesmo tempo, um trio de batedores retornava a todo galope pelo descampado. Voltavam ofegantes mas determinados, traziam a informação de que não havia qualquer sinal da estadia de ferais em qualquer lugar. Fedria tinha sido arrasada e abandonada, não haviam fogueiras além da gigantesca pira em que tinham transformado o lugar.

   — Vamos ocupar Fedria — Beatrice decidiu. Seus homens prenderam a respiração mas acataram, retornaram às montarias aos montes. Aos poucos, no topo daquela colina de grama alta e avermelhada, a princesa tinha um vislumbre de um exército antigo de seu povo. Mais de duzentos homens com cavalos e lanças, prontos para ouví-la e morrer por ela.

As Crônicas de Desejo e Ruína - II Onde histórias criam vida. Descubra agora