V - Cavaleiros Sagrados

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   A carroça passou por solavancos e por dificuldades no curto caminho até onde quer que estivessem sendo levados. Estava tão escuro que Grimm só conseguia ter as imagens de seus pesadelos, agora alternados entre a Incursio e o cadáver sem cabeça de Bennet. Inevitavelmente não sabia se estava dormindo ou acordado na maior parte do tempo.

   Ele tinha sido crucificado na entrada das ruínas de Visle como traidor, sua cabeça tinha sido jogada no rio. Se o servo do fogo tinha ficado aterrorizado com a brutalidade, Merlin estava em profundo estado de choque. O menino não falava haviam horas, apenas gemia por conta do braço quebrado amarrado em um ângulo nauseante ao outro pulso.

   Foram alimentados com pão duro e um creme de frango e ervilha, era melhor do que morrer de fome. Grimm comeu a sua sofrida porção com voracidade e tentou fazer Merlin comer a dele, em vão, então acabou comendo a porção do menino também. O rapaz estava calmo, terrivelmente calmo, pelo menos em relação aos cavaleiros vermelhos.

   — A Incursio...o que vai acontecer se a Incursio atacar o comboio? — Grimm sussurrou, curioso. Merlin esboçou finalmente uma reação, arregalou os olhos e buscou sinal de anoitecer.

   E o anoitecer veio e com ele os sussurros gélidos das Forças da Noite. Os espectros pareciam rondar a carroça e os murmúrios dos cavaleiros vermelhos demonstravam que eles não entendiam o que estava acontecendo. De repente, Grimm ouviu o som de algo sendo retirado da bainha e depois um clarão tão poderoso que passou pelas frestas da carroça. O som da Incursio se tornou mais distante e sua sensação de ansiedade enfraqueceu.

   Sempre voltava a vir, mas logo o clarão se repetia e os anjos sombrios se afastavam. Era o oficial, claro, talvez a Igreja tivesse realmente suas armas contra magia. Merlin estava certo, para derrotar magos, dragões e os servos do fogo...não poderiam dispôr apenas de aço e navios. Grimm se lembrava claramente do colar de pedra branca que impedira o mago de usar suas magias.

   — Saiam — A carroça foi aberta pela parte de trás e uma voz abafada pelo elmo se dirigiu a eles, atrás dele já amanhecia. Grimm saiu com dificuldade, sua única mão estava amarrada atrás das costas e seus tornozelos tinham grilhões. Foram caminhando para longe dos cavalos e aos poucos os olhos dos prisioneiros se acostumaram com a luz do dia.

   Percebeu-se que tinham passado o trajeto inteiro por dentro de uma vila pacata de interior, mais próspera e maior que Visle. Talvez chegasse a algo substancialmente maior que mil habitantes, rodeando um palácio majestoso. Não, não era uma fortaleza, era um solar suntuoso construído sem essa preocupação, porém circundado por muros provavelmente construídos posteriormente após serem necessários.

   A um olhar mais atento, posto depois que foram conduzidos por dentro dos portões e do fosso sob olhares curiosos de camponeses fofoqueiros, era um palácio malcuidado. Seus jardins tinham cercas vivas descontroladas, ervas daninhas por toda parte e as estátuas estavam cobertas de limo. As estátuas não traziam apenas figuras de homens, mas sim figuras semi destruídas de elfos e dragões, umas delas com a mesma pedra escura de Prometheia.

   As próprias superfícies das torres tinham vinhas e as gárgulas pareciam mais recordações quase imponentes de tempos mais felizes, de um poderio que se estendia até tão longe de seus jardins que sua pompa e rosas carmins pouco precisavam de muros de pedra fria e sem vida. Hoje, porém, sua guarnição era notoriamente mais abastecida do que qualquer busto de musa élfica.

   Adentraram por um salão de recepções e em seguida acompanhados por um pequeno grupo de soldados domésticos. Seu libré trazia o símbolo de um cavaleiro matando um dragão e acima dizeres em rúnico e, mesmo com tanta pompa, estavam nervosos.

As Crônicas de Desejo e Ruína - II Onde histórias criam vida. Descubra agora