Prólogo - Nomes

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  Há muito tempo atrás havia um sábio Rei dos Homens, do tipo que não se conhece mais nos tempos de hoje. Era um mortal mas sabia dar ordens à terra, encorajar as vinhas, invocar a tempestade, acalmar as marés...e subjugar o fogo.

   Seu poder não derivava de manipulação de energia e sua transfiguração forçada em elementos. Não, ele não era um mago, era um sábio. Ele conhecia o mundo e o mundo o conhecia, ele tinha o nome dos dragões na ponta da língua e eles também o tinham. O Clã da Noite lhe conferiu um tesouro ancestral, os vampiros respeitavam seu poder e as árvores faziam silêncio  quando ele passava. Por que? Ele não tentou os dominar.

  Esse rei se cercou de uma corte com todos os tipos de pessoa e não as recriminava, tratava homens, mulheres, idosos e aleijados como iguais. Tinha aliança com os distantes senhores élficos e até foi mestre do Senhor de Caer Medos. Mas ainda era um mortal.

   E como todo mortal, ele foi reivindicado pelos deuses. Já idoso e passados os seus cem anos, acompanhou a morte como uma velha amiga e se tornou parte da natureza que um dia foi sua amiga. Nunca mais outro mortal fez isso e os Homens esqueceram dos feitos do Rei Aethelsten, tornaram a caçar os elfos e a destruir os lares dos espíritos. As árvores pararam de farfalhar, os dragões se tornaram pedra e seus aprendizes magos foram mortos...uma era de escuridão tomou conta do mundo...

    O manto longo dele dançava conforme a vontade do vento. A brisa suave brincava com a barra do tecido escuro sem ser violenta, era suave e respeitosa sem de fato incomodar. Ele sequer notava o vento lhe chamar, seus vorazes olhos púrpureos miravam além das montanhas nevadas e das árvores que não podia mensurar, mas que ele conhecia pelo nome. Ynael, Kvasse, Rhudar, Sverr, Naarj...mas todas elas podiam ser chamadas de Nylvsbloord. Eram companheiras suas desde que ele tinha nascido, ele próprio era jovem.

   Ele tinha muitos nomes. O chamavam de Sirius entre os seus, brilhava demais para um membro do Clã da Noite. Os Homens o tinham por Sidon quando foi conselheiro do Último Rei. Mas seu nome era Meliath, e apenas seu era o significado dele. Simples assim, ao contrário dos Homens que davam aos filhos nomes com sons aprazíveis ou tradicionais e os dos Elfos que lhes davam os nomes pelo significado e profecias, os espíritos tinham os seus sussurrados pelo vento e pelo coração.

   — Aeth... — O nome lhe veio aos lábios trazido pelo vento. Não era a primeira vez. Tinha escutado dois nomes intensamente quando Arwend foi destruída, um choque de Vontades avassalador capaz de abalar as estruturas da magia da qual ele fazia parte. Ele se lembrava de ter sentido um calafrio pela primeira vez desde que...esses dois nomes também ascenderam pela primeira vez, ao mesmo tempo.

   — Quem é Aeth? — Perguntou à sua filha, sentada um pouco longe dele. Eleanor estava de pernas cruzadas tentando com impaciência fazer uma folha de salgueiro ficar quieta à sua frente.

   — Sim, pai? — A jovem perguntou, assustada. Estava quieta tentando realizar o trabalho. Era jovem, muito jovem, e era mais mortal do que espírito...temia por sua vida e por isso a mantinha por perto. Ele repetiu a pergunta, ela pareceu insegura.

   — Isso é algum novo teste? — Eleanor questionou e quando o pai assentiu positivamente, ela franziu as sobrancelhas.

   — Não faça isso — Ele a repreendeu com um gesto de impaciência.
 
  — O que? —

  — Tentar pensar em uma resposta. Você não a sabe, não tem por que tentar adivinhar algo que não sabe. É perda de tempo e energia... não, pergunte ao vento, às estrelas, ao céu, à terra...àqueles que existiam antes de você —

    Eleanor se levantou e lançou a vista para além do topo da montanha. Viu o horizonte dourado e sua luz trêmula. Ela chamou o nome em voz baixa e repentinamente uma chama azul tênue se acendeu em seus dedos, não se assustou e a chama se consumiu até sumir. Não deixou fuligem e um incrédulo que visse o fenômeno com os próprios olhos talvez duvidasse.

   — Aeth é o Último Mestre do Fogo. Mas ainda é jovem como o orvalho...é como o fogo...é volátil, faminto e recente — Eleanor disse, embora parecesse estar ainda interpretando o acontecido enquanto falava. — É destrutivo mas é frágil —

   Ele assentiu com a cabeça. Também fez suas próprias perguntas e foi respondido, por mais que as respostas não o agradassem. Fechou os olhos e teve visões daquele dia e além, daquela noite e aquém.

   — Aeth estará morto em pouco tempo se algo não for feito. Sua Vontade foi quebrada, sua espada se tornou pesada e agora as forças da Noite foram chamadas contra ele por um ser inominável —

   — Forças da Noite? Você quer dizer...? — Sua filha arregalou os olhos, assustada.
 
  — Incursio. A criatura inominável está resgatando conhecimentos perdidos... alguns que deveriam ter sido esquecidos — Ele apenas tentou não parecer perturbado mas não havia como. — O jovem não vai estar seguro enquanto viver. As Forças da Noite vão perseguí-lo enquanto sua alma queimar —

   — E o que você vai fazer, pai? Ir lá tentar salvá-lo e se arriscar? Se a criatura é capaz de...usar essa sabedoria terrível...não há como saber quais poderes ele pode dominar —

   — Ele está atrás das Relíquias, ImyaEstava escondendo isso há dias. Já sabia desde o momento em que Arwend caíra. — Portanto nenhum conhecimento é dispensável. Ele irá atrás de toda a sabedoria dos Mortais, dos Elfos e dos Espíritos se for preciso. E o que ele quer com as Relíquias... só ele sabe —

   A filha balbuciou mas então sua expressão ficou firme e, nesse momento, ele sentiu orgulho.

  — E por que ele quer matar o Último Mestre do Fogo? Poderia tentar obter o poder dele ou... —

  — O fogo é volátil. É excelente quando dominado, mas não é sabedoria. O fogo é um excelente servo mas um péssimo mestre. Da mesma forma, a magia é uma fantástica professora...mas uma ferramenta desastrosa — Ele suspirou pesadamente. — A criatura pretende aprender com a magia, mas o fogo...Aeth é uma ameaça para ele. É um desafio para suas ambições e é melhor morto para o demônio —

   — E para nós? — A pergunta certeira capaz de mudar a maré do mundo. A maré de todas as coisas. O tipo de pergunta tão forte que mudou a direção do vento e fez Nylvsbloord farfalhar logo abaixo.

   Até mesmo a espada negra, completamente escura e insensível a qualquer traço de pôr do sol, sacudiu na rocha na qual estava enterrada até a guarda. Ela sentiu, o mar sentiu, a montanha sentiu, a árvore sentiu.

   — Esperança...um renascimento dela — E as árvores fizeram silêncio apenas para farfalhar novamente mas, no entanto, uma canção própria. Uma canção de mudança.

  

 

 

As Crônicas de Desejo e Ruína - II Onde histórias criam vida. Descubra agora