III - Ajoelhado

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    — Como um clérigo revoga uma maldição? —

    — Não sei, não é minha área. Ouvi dizer que é uma benção... —

    — Uma benção tipo...um sacerdote rezando? —

    — É um pouco diferente, é um tipo de magia inventado pela Igreja...mas eles não chamam de magia, dizem que é uma dádiva dos deuses — Merlin revirou os olhos, como se fosse um insulto. — Mas é uma magia muito mais ligada ao potencial de uma alma do que a magia dos magos —

    — Como assim? —

  E assim passaram o trajeto curto até Visle, reforçando o aprendizado precário que Grimm tinha sobre magia. Lembrava-se vagamente dos princípios instituídos por Armenil, de uso de energia para simular matéria e suas propriedades, arriscando no processo a própria vida a cada feitiço realizado. Merlin não era um mago especialista, talvez mal fosse algo além de aprendiz, mas sabia passar os fundamentos básicos.

   — O dever principal de um mago é realizar os três passos de um feitiço: Ligação, Conjuração e Transfiguração. A Ligação é fazer uma conexão entre o conjurador, no caso o mago, e a fonte de energia que vai ser usada. Essa fonte geralmente é a energia vital do próprio mago mas pode ser o ambiente ao redor ou...outros seres vivos — Teve um arrepio, para o menino não parecia ser algo ético.

   Continuaram caminhando até parar para se sentar à beira do rio. Já haviam abandonado Pennpoin há muito tempo, agora seguiam pelas margens verdejantes dos campos rurais da Grã Ilha e Visle estava próxima. Todas as vezes que passavam muito perto da margem do rio e olhavam para outra, sentiam um arrepio, mas não pararam para analisar. Para Grimm, parar nunca era uma boa ideia, sentia vontade de dormir e se dormisse...

   — A Conjuração é a criação de um Círculo, também chamado de Selo, que é como se fosse...humm...uma argila. É como se você juntasse toda a energia que você ligou em uma argila que vai ser moldada com a Transfiguração. Nessa etapa você usa obrigatoriamente da sua energia para moldar o Círculo na matéria desejada ou, pelo menos, o mais próximo possível dela —

   — Então...os magos não criam fogo? E...contra a Incursio você não chamou um relâmpago de verdade? — Grimm arregalou os olhos, admirado.

  — Nem você cria fogo. As chamas de um servo do fogo são literalmente alma exalando energia pura e infinita...é mais perto do respirar do que de um braseiro comum — Merlin riu com a reação do guerreiro. — O resto é uma reação de combustão desencadeada pelo calor desse "fogo", assim você acende chamas normais com as suas —

   Grimm ficou boquiaberto, mas isso só fez Merlin rir mais ainda e abrir a palma da mão. Sentiu que ele estava fazendo as três etapas ensinadas com rapidez, percebeu que ele olhava ao redor pela grama e, depois dela repentinamente murchar e morrer, o ar acima da mão tremulou e logo uma esfera de luz azul surgiu e desapareceu logo depois.

   — Eu fiz a energia inicialmente invisível se tornar luz. Com o relâmpago foi diferente...e mais difícil — Merlin refez o processo mas parou na Conjuração até que...fez um movimento com os dedos e uma pedra disparou para o céu, caindo no rio. — Nem sempre precisa transfigurar energia em matéria, às vezes você pode só converter essa energia em outra. Na ocasião eu forcei as condições e o acaso para que os relâmpagos caíssem exatamente nas criaturas, basicamente alterei o trajeto deles com um caminho de energia —

   Depois disso fez um gesto teatral, esperando aplausos, mas Grimm olhou para seu próprio reflexo nas águas do rio. Magia era complicada, talvez complicada demais para ele. Tinha tido essa ideia depois de parar para refletir de que se não era capaz de lutar, talvez precisasse adquirir outras armas para poder ter sua revanche contra Felagund.

As Crônicas de Desejo e Ruína - II Onde histórias criam vida. Descubra agora