IX - Cicatrizes

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  — É uma belíssima peça artesanal, o soprador que a fabricou definitivamente era um mestre do ofício... —

  — Por quanto fica? —

  — Ora, com tamanho bom gosto artístico, tanta beleza nos detalhes mais simples... —

  — Meu interesse é com o dinheiro —

— Certo, certo! — O vendedor se irritou com as interrupções. — Pago três florins de prata —

  — Mas não era uma obra prima? Ande, abra os bolsos —

— Não vou gastar mais de três florins com algo que pode ter sido roub... — Engoliu seco. — Mas...acho que podemos abrir uma exceção. Oito florins de prata? —

   — Doze — Grimm corrigiu, satisfeito, a mão de prata ainda pousada sobre o cabo de Ignis. O ambulante, furioso, pôs as moedas nas mãos do rapaz e recebeu a lâmpada de vidro.

   — Deuses...com quem aprendeu a ser tão sovina, garoto?! — O vendedor exclamou, enquanto se afastava pela estrada. Grimm riu.

  — Com um velho companheiro mercenário... — Dirigiu seu olhar sonhador para Merlin. — Agora vamos, merecemos uma refeição quente —

    Depois de quilômetros de aldeamentos, lavouras e pequenas fortificações abandonadas no meio da estrada, uma cidade como Rowdes até soava deslocada. Era realmente uma coisa muito mais parecida com as Cidades Mercantes do Continente Verde do que com a pacata Visle. Ainda que fosse pequena para os padrões do Arcontado.

    Tinha sido erguida na confluência das principais estradas do reino e na margem leste de um vau importantíssimo para a rota até a capital, Camelot. Era, portanto, uma cidade por excelência, polvilhada de mercados e comércios. Tinha também aquilo que mais desejavam naquele momento.

   A chamada "Solar do Viajante" era uma hospedaria velha e um tanto afastada dos núcleos mais populosos. Segundo os boatos, sua cerveja era minimamente salubre e seu pão não era dos piores, além de ser pouco movimentada. Isso era bom.

    Quando entraram, viram um ambiente puído e aconchegante. Sete mesas redondas estavam distribuídas pela sala comum, com umas pouca janelas fechadas para o dia chuvoso e uma lareira para esquentar o seu interior. Haviam sujeitos mal encarados ou bêbados por toda parte, relaxando e jogando jogos de azar.

    — Nunca entrei em uma dessas — Merlin murmurou, encantado com o murmúrio de conversas e a música. Um único menestrel tocava ali, tirava de seu alaúde algumas canções obscenas sobre velhas fogosas e órfãos cheios de vigor.

    — Por um tempo eu morei nesse tipo de lugar. Era divertido não precisar fazer a própria comida — Grimm se sentou diante de uma das mesas com melhor visibilidade do ambiente. "Mas não era divertido pagar o aluguel dos quartos com sangue...", pensou, taciturno.

    Uma garçonete agitada foi atendê-los, aparentemente era só ela lutando aquela batalha de travessas e canecas. Era uma garota sardenta de uns dezesseis anos, tinha cabelos pretos ainda úmidos escorrendo pelos ombros, não eram muito longos. Vestia um vestido simples e branco, com um avental gorduroso por cima.

    — Em que posso serví-los? — A moça perguntou, atrapalhada. Carregava uma bandeja cheia em cada mão, cada uma cheia de louça suja.

    — Vou querer...hmmm...qual o almoço de hoje? — Grimm cruzou as mãos em frente ao rosto, pensativo.

   — Filé de peixe ao molho de cenoura e repolho cozido — A atendente lançou um longo olhar sobre o mestre do fogo, como se tentasse ver algo além do que era aparente. — Mas há um bocado de guisado de coelho de ontem e pão dormido de manhã —

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⏰ Última atualização: Mar 28 ⏰

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As Crônicas de Desejo e Ruína - II Onde histórias criam vida. Descubra agora