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Hoje vi uma garota no ônibus sorrindo para o celular.

Ela estava em uma posição desconfortável em pé, mal mal se segurando e com uma bolsa visivelmente pesada nas costas. O mais inteligente seria guardar o celular e ficar com as mãos vazias para encontrar uma posição melhor, mas mesmo com o ônibus em bastante movimento, ela seguiu encarando o celular com um sorriso no rosto. Então foi nesse momento que eu me perguntei: qual foi a última vez que eu me apaixonei assim?

Me lembrei do último garoto que eu me interessei. Eu nem cheguei a me apaixonar por ele, durou muito pouco.

Então voltei mais alguns anos e me lembrei das várias paixões que tive durante a adolescência. Me apaixonei pelo garoto mais inteligente da turma, depois pelo irmão da minha melhor amiga, depois pelo primo da minha melhor amiga (aliás, foram dois primos diferentes), depois por um garoto meio bobo do meu grupo de amigos que me roubou à força meu primeiro beijo.

Eca, péssimas lembranças.

Andei um pouco mais à frente.

O último garoto que me apaixonei.

Ele tinha mais dinheiro do que eu, uma vida mais fácil e interessante. E morava só à uma cidade de distância. Até pensei em orar com ele, pedir uma direção de Deus e tals, mas aí ele me decepcionou e eu perdi o encanto.

Mas é nesse momento que eu chego no divisor de águas da minha história.

Todos esses relatos foram dos garotos que eu me apaixonei, mas nenhum deles eu amei como achei que amava.

Até que ele chegou.

O garoto classe média metido a filósofo que me deixava impressionada a cada palavra.

Ele me deixava furiosamente curiosa, o suficiente para querer estudar mais e mais para saber mais do que ele sobre todos os assuntos que ele falava com mestria.

Era um desafio chegar ao seu nível, mas mais ainda te superar.

Ele me ensinou coisas que eu não sabia que existiam, e me fez sentir o que eu achava que já havia sentido.

Nós começamos discutindo algo bobo.

O que demonstra mais inteligência: tocar piano com excelência ou ser um excelente jogador de xadrez?

Eu acreditava no piano, ele dizia que era óbvio que era o xadrez. Em algum momento na discussão eu percebi que ele estava certo, mas em momento nenhum eu deixei transparecer minha concordância. Na verdade, até hoje ele não sabe disso.

Ele era um garoto na época, mas sabia mais do que todos os garotos da sua idade que eu conhecia juntos.

Suas experiências eram muitas, e muito além do que eu imaginava um dia conseguir experimentar.

No início eu nem mesmo sabia o que estava sentindo. Sabia que aquela amizade que estava nascendo ia gerar ótimas experiências, e confesso algo aqui; desde o início eu torci pra ele se apaixonar por mim.

Mas, voltando para o início...

Ele me tratou de uma forma diferente, com respeito, gentileza e graça, e era perceptível como aquilo era habitual para ele. Ele me apresentou meu capítulo favorito da Bíblia. Nós falávamos mal dos outros em ligação e dávamos apelidos para cada um deles. Mesmo tão longe, eu sentia ele do meu lado todos os dias. Ele foi a minha dádiva da pandemia.

Um dia, depois de pregar em um pequeno culto, ele me mandou mensagem super animado dizendo que havia pregado, e eu exigi que ele contasse tudo para mim, e adivinha só, era baseado naquele mesmo capítulo que eu passei a amar tanto.

Ele já fazia mais parte da minha vida do que ninguém nunca tinha feito.

Sabia mais sobre mim do que eu permiti qualquer um saber, e talvez esse tenha sido um dos motivos de ele ter ido embora.

Ele foi o único por quem eu chorei por meses por ter perdido.

Foi o único que eu fiquei fascinada.

Foi o único que me fez acreditar que me amava.

Foi o único que partiu meu coração daquela forma. Ele foi o único para quem eu escrevi mais de 30 poemas e sabe-se lá quantos textos sem rimas e cheio de dor.

Foi o único que ficou por tanto tempo na minha mente.

Daqui cinco meses completam 2 anos que ele partiu. Dois anos de quando ele disse que me amava pela última vez.

Dois anos de quando me mandou um áudio que provavelmente nem se lembra de ter mandado, quando já estava no fim do dia e exausto dizendo "só não esquece que eu te amo, e que você vai ser pra sempre minha princesinha".

Dois anos que eu sigo esperando, chorando, compondo e sonhando.

Dois anos que eu sonho com um rosto que eu nunca vi pessoalmente, mas que já amo só de tê-lo na mente.

Dois anos que eu amei de todo o coração, como nunca antes. Que sorri para o celular de forma genuína pela última vez.

Todos as coisas que eu não te disseOnde histórias criam vida. Descubra agora