Um silêncio constrangedor tomou conta do corredor. Santos continuava com a sobrancelha franzida, esperando a notícia que Uriel queria contar, mas nada saiu da boca dele, até que se viu obrigado a quebrar o silêncio.
— Vai dizer nada não? — indagou, impaciente e com raiva da interrupção.
— O sinhô... — deu uma pausa. — Não é casado? — Olhou para o dedo anelar do seu superior; a aliança resplandecia, era o único anel que usava.
— Sou.
— Tava traindo sua esposa? — perguntou, incrédulo com a visão que tinha visto.
— Claro que não. Veja bem, eu fico meses fora de casa. Quando chego, tenho que satisfazer minha esposa. Por isso, fico treinando com outras mulheres, pra não perder a prática e entristecer ela — respondeu, orgulhoso. — Severina sabe que eu a amo.
O silêncio voltou novamente ao local; Uriel tentava digerir a fala dele. Aquilo havia feito um pouco de sentido na cabeça dele, mas ainda assim, não compactuava com a ação.
— Devia tentar. Marina ia gostar de saber que tudo que vosmicê faz é para o bem dela — prosseguiu Santos, tentando aconselhar o amigo.
— Acho que não — pensou um pouco. — Marina é ciumenta. Mesmo a gente não tendo compromisso, se ela sonhar que olhei pra outra muié, é capaz de me matar.
Santos deu uma curta risada; achava engraçado Uriel agir assim por alguém que ele nem sequer namorava. Na verdade, achava ridículo. Na cabeça de Santos, era nítido que ele jamais teria algo com a moça. Ela era uma mulher de boas condições financeiras, já Uriel, pobre. A aparência dele, louro de olhos azuis, compensava a pobreza, mas o pai dela não queria um pé rapado na família. Tanto é que falou que, para ele se casar com a moça, deveria entrar na volante e matar algum cangaceiro no prazo de um ano e meio. Claramente, o enviou para a morte. Uriel não percebia, por estar louco de amor, e Santos não falaria o óbvio para não perder seu homem mais fiel, que só estava lá por conta disso.
— Tenente! Já ia esquecendo do mais importante: Válter e Gerúndio encontraram a maldita, e Gerúndio acabou ferido! — Uriel falou afobado.
— Pétala Negra? Como não me falou antes? — perguntou, assustado com a notícia.
— Me distraí, sinhô. Eles acabaram de chegar, tão lá embaixo.
Os homens desceram rapidamente as escadas para irem ao encontro dos outros dois. Santos estava tendo um misto de emoções; aquilo poderia ser sinal de um avanço e que pegariam logo a cangaceira. Chegando na parte de baixo da casa, viram Gerúndio sentado no sofá, recebendo ajuda de Válter, da viúva de Lorenzo e de outro volante que havia ficado para cuidar dos cavalos.
— Expliquem o que foi que aconteceu — Santos falou em um tom autoritário; não estava nem perguntando, e sim ordenando.
Válter e Gerúndio tinham pensado no meio do caminho em uma desculpa para dar aos outros volantes. Sabiam que a verdade não agradaria nenhum pouco Santos, e para evitar desavenças, a mentira era a melhor opção.
— Estávamos na banca de frutas, vimos uma movimentação estranha e fomos atrás. Só que era uma emboscada. Vieram cinco cangaceiros e, como Gerúndio reagiu, acabou sendo golpeado — Válter respondeu, tentando ser o mais convincente possível, olhando nos olhos de Santos para passar veracidade. — Foi bem-planejado, estamos na desvantagem agora com um homem ferido.
— Bem-planejado? — indagou, desconfiado; não havia engolido aquela história. — E esse curativo no braço dele, quem fez?
— No meio do caminho encontramos uma casa, e a moradora nos ajudou.
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Pétala Negra
RomanceDurante um período de grande dificuldade no nordeste brasileiro, surgiram inúmeros bandos de cangaceiros no sertão. Dentre eles, destacou-se uma mulher apelidada de "Pétala Negra", vista por muitos como uma heroína e por outros como uma cangaceira i...