Capítulo 1-

101 9 13
                                    

  Era um tempo difícil. O Nordeste sofria com a seca, e com ela vinha a fome e a miséria. 
   Os políticos esqueceram do povo, e os militares... bem, esses não eram as melhores flores do sertão. Isso gerou revolta em alguns sertanejos, pois se a lei não os ajudava, por que deveriam seguir-la?
   Após o surgimento de Zé Cabeleira, o banditismo só aumentou, a ponto de ser necessária uma polícia especializada na caatinga: a volante. Os anos passaram, cangaceiros vinham e iam, até que surgiu uma mulher que aterrorizou a volante: Pétala Negra, a cangaceira mascarada que atuava no sertão pernambucano.

"Aquele que não tem confiança nos outros, não pode ganhar confiança."

- Válter Alvez -


   Depois de longos dias no sertão, uma tropa composta por dez militares da volante chegou à entrada de uma cidade. O primeiro vislumbre foi o de um grande sobrado, provavelmente a casa de algum coronel ou ricaço da região. Todos ali agradeceram, pois, sendo militares do governo, acreditavam que o dono os ajudaria. Estavam famintos e sedentos após a exaustiva viagem.
   Tomando a dianteira, o tenente rapidamente bateu nas grandes portas de madeira do sobrado, mas, para surpresa de todos, ninguém atendeu. Era manhã, horário em que os empregados já deviam estar trabalhando. Algo não parecia certo. Os homens, intrigados, olharam ao redor. Havia rastros de coisas arrastadas e pegadas incomuns no chão.

— Os cangaceiros estiveram aqui. Entrem na casa! — ordenou tenente Santos em tom autoritário, deduzindo que havia ocorrido um roubo. Com grande agilidade, os dez homens se apressaram para entrar.

   A grande porta estava destrancada. A casa, em completo silêncio, estava revirada: gavetas abertas, vasos quebrados, roupas espalhadas. Um verdadeiro caos. A mando do tenente, os militares se dividiram em três grupos para vasculhar o local e procurar alguém ou algo. O grupo de Santos subiu uma das escadas que dava acesso ao andar superior.

— Passaram por aqui. E, pelo jeito das coisas, me arrisco a dizer que foi a Pétala Negra. — disse Válter, ao ouvir murmúrios abafados enquanto subia as escadas com outros três volantes.

— Talvez ela e o bando ainda estejam por perto. Temos que nos apressar. Não vejo a hora de arrancar a cabeça daquela maldita. — disse Santos, apressando o passo. Com a adrenalina do momento, eles esqueceram a fome e o cansaço, ansiosos por descobrir o que tinha acontecido ali.

   À medida que subiam, o som ficava mais próximo. Seguindo-o, chegaram a um quarto. Com cautela, abriram a porta. Era fato que os bandidos não estavam mais na casa, mas todo cuidado era pouco. Ao entrarem, encontraram o ambiente ainda mais desordenado que o térreo e, no chão, um homem de roupas elegantes, amarrado e amordaçado, com hematomas no rosto. Válter o reconheceu e correu para ajudá-lo, retirando a mordaça.

— O senhor não é o Coronel Lorenzo? O que aconteceu? — Interrogou aflito.

— Aquele bando de miseráveis, junto com aquela vagabunda, levaram tudo o que eu tinha! — berrou, cheio de ódio. Válter, assustado com a fúria do homem, parou de desamarrá-lo. — Me desamarre logo, seu abestalhado! Na verdade, todos vosmicês são um bando de inúteis, incompetentes. Deviam ter chegado antes! Já deveriam ter matado essa raça miserável.

— Sinhô está muito invocado, tente se—— começou a falar o terceiro homem, mas foi interrompido.

— Cala a merda da tua boca! Não te dei permissão pra falar. Eu quase fui morto, e tu me pedes calma? Calma?! Inúteis! Vou mandar matar vosmicês e aquela ordinária!

   Irritado, Santos se aproximou, tirando um punhal da cintura. Sem hesitar, cravou-o na garganta do homem, matando-o rapidamente.

— Mal-agradecido. Merecia uma morte lenta. — disse o tenente, puxando o punhal e limpando-o num lenço que sempre carregava.

— T-tenente?! O que o senhor fez? Como vamos explicar isso? — indagou Válter, assustado, ainda assimilando a situação.

— Explicar o quê, Válter? Chegamos aqui e encontramos o coronel morto. Pétala o matou, não é, Uriel?

— Uma triste fatalidade. — concordou Uriel, com pesar, mas seus olhos azuis brilhavam de satisfação.

   Válter, por sua vez, teve que concordar. Não era tolo para discordar de dois loucos sanguinários. Logo, outros dois militares chegaram, abismados com a cena.

— Tenente, viemos informar que a esposa e a filha do coronel estavam amarradas lá embaixo, junto com os empregados. Não havia uma morte sequer. Estou surpreso que tenham matado o coronel! — disse boquiaberto um dos homens que haviam acabado de chegar, sua perplexidade faziam as maçãs do teu rosto se definirem ainda mais.

— Eu também, Tonico! O bando da Pétala nunca tinha matado ninguém. Até achei que eram diferentes. Como fui leso! — comentou o outro, igualmente admirado.

— Visse? Dizem que roubam pra ajudar os sertanejos, mas são só bandidos. Não se engane, Gerúndio, cangaceiro é tudo farinha do mesmo saco. — afirmou Santos com confiança, e Uriel concordava com tudo.

— Tenente, — chamou Válter, sério. — Seria bom alguém ir reabastecer os suprimentos. Precisamos sair logo. Quanto mais cedo formos atrás dessa assassina, melhor.

— Tem razão. — concordou Santos, com uma leve desconfiança. — Vosmicê e Gerúndio cuidem do abastecimento. Tonico, desça e avise a família sobre a perda. Avise também para que alguns homens comecem a preparar a viagem. Eu e Uriel vamos procurar algo que nos dê uma pista dos cangaceiros.

  Com as ordens dadas, os homens se dispersaram, restando apenas Santos e Uriel no quarto. Sentindo-se seguros de que não havia mais ninguém por perto, Santos puxou conversa.

— Válter não pareceu gostar da nossa pequena pala.

— Ele tenta se passar por bom moço, mas no fundo é só um afolosado que teve a sorte de ser filho de coronel. Nem sei o que ele faz aqui. Além disso, não me parece ser confiável.

— Concordo. É bom ficarmos de olho. Qualquer deslize, o chumbo terá que comer, e Pétala Negra terá mais uma morte nas cacundas. — falou Santos, com um sorriso malicioso no rosto, que foi seguido pelo de Uriel.

Continua...

Espero que gostem, se puderem deixar estrelinha agradeço 🌸💗

Vocabulário ~
Vosmicê: Você
Abestalhado: bobo
Pala: Mentira
Visse: Viu?
Sinhô: Forma que escravos chamavam os senhores. Um detalhe curioso é que Válter fala "senhor" e os demais "sinhô", pois são de classes sociais diferentes.

Algumas frases são retiradas do Google(como essa) e outras inventadas  ~
Caso queira ver fotos ou curiosidades sobre os personagens, siga-me no tiktok, insta e Pinterest: m0rceguete.world

Pétala Negra Onde histórias criam vida. Descubra agora