Capítulo 10-

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  Os cinco volantes finalmente conseguiram se libertar do lençol e se depararam com a cena de Hernane estirado sem vida no chão; a premonição da rasga mortalha havia se concretizado.
   Germânio foi o primeiro a correr em direção ao corpo. Ele ainda tinha esperanças de que o amigo sobrevivesse, mas, infelizmente, isso era impossível. O estado do corpo era comparável ao de uma peneira de arupemba. Todos os militares sentiram o pesar por perder um companheiro, mas nenhum se comparava ao de Germânio, que chorava abraçando o corpo sem vida do amigo.
    Válter se aproximou, tentando consolar o companheiro. Ele não era próximo de nenhum dos dois, mas, por convivência, tinha consideração por todos ali.

— Sinto muito, Germânio. Eu bem que tentei impedir — Válter disse em um tom baixo e melancólico, sentindo culpa pelo ocorrido.

— Tentou? — perguntou, com a voz trêmula e falha. Seus olhos verde-escuros estavam com a visão embaçada pelas lágrimas, que escorriam do seu rosto, fazendo a pele negra do homem refletir a luz da lua. — Vosmicê nem se mexeu para impedir Hernane; a culpa é tua! — Germânio gritou exaltado, avançando na direção de Válter, mas acabou sendo segurado por Uriel.

— Eu ouvi Válter dizendo para ele não ir; a imprudência foi toda de Hernane. Aceite! — Uriel disse com frieza, tentando dar um choque de realidade ao homem, que caiu ainda mais em lágrimas.

   Santos observava tudo com indiferença. O que estava diante de seus olhos não o comovia; pelo contrário, causava repulsa. Odiava o fato de estar concordando com Uriel na defesa de Válter. Se fosse relacionado a outro membro, ele não se importaria, mas, por ser ele, isso o corroía. "Um cabra desse chorando pior que muié, e, para completar, ainda me faz submeter à humilhação de ter que defender o bastardo do Válter.", pensou, com os punhos cerrados, tão fortes que suas unhas só não cortavam a pele da mão por serem grossas e calejadas pelas cicatrizes de sua infância.

— Uriel tem razão — concordou Santos. — Temos que enterrar Hernane e correr para cuidar de Augustinho, ou o número de mortos vai aumentar. Válter, vá procurar Marcelo e Gerúndio. Germânio, Geraldo e Tonico, enterrem Hernane. Uriel, venha comigo; escondi Augustinho para garantir que ele não se machucasse mais, mas precisamos apressar os cuidados. — Santos ordenou, mantendo a aparência; não cogitou a ideia de ir atrás dos cangaceiros. Viu que estavam em desvantagem; ir atrás seria burrice, igual à de Hernane.

   Tantas coisas em tão pouco tempo que Válter só percebeu a falta dos amigos depois da fala de Santos. Para ele, era impossível Dentes de Ouro ter se safado daquela situação. Então, ficava a questão: o que houve?
  Ele saiu andando ao redor da casa à procura dos dois e acabou pisando em uma terra que aparentava ter sido molhada. Se abaixou, passou a mão sobre ela e teve a certeza de que estava molhada. No fim, não deu muita importância, levantou-se e voltou a andar, até que bateu em um varal que estava baixo, fazendo seu chapéu cair. Ele se inclinou para pegar o chapéu, um pouco irritado com a situação, e então notou que o chão estava novamente molhado. Olhando à frente, viu uma espécie de casinha em um poço artesiano.
   Válter parou e começou a encaixar as peças; tudo fazia sentido. Agora só precisava encontrar Marcelo e Gerúndio para contar sua teoria a eles. O homem continuou andando na direção do último lugar que os viu, torcendo para que estivessem bem, mas no seu peito a aflição tomava conta.
    Aproximando-se, conseguiu ouvir algumas tentativas de gritos abafados. O desespero tomou conta de seu ser, e Válter começou a correr na direção do som, para ver logo o que tinha acontecido. Ao chegar lá, não acreditou no que seus olhos estavam vendo. Gerúndio e Marcelo estavam bem, não tinham nenhum arranhão, entretanto, estavam amarrados nus no poste que sustentava a varanda, e suas bocas haviam sido amordaçadas com peças íntimas.

— Meu Deus!... — Válter disse, boquiaberto, em um tom baixo, sem reação diante da situação.

  Depois de alguns segundos tentando digerir aquilo, tomou a iniciativa e se apressou para desamarrá-los. Ao serem libertados, os dois tiveram a mesma reação: tiraram as calças de baixo das bocas e ficaram passando a mão excessivamente na boca para limpar.

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