Capítulo 12-

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Uma semana se passou desde do confronto com os cangaceiros. Quando o luto foi esquecido, Marcelo e Gerúndio se tornaram motivo de zombarias entre os militares e o povo da cidade de Caruru, que os viram indo ao posto de saúde quase desnudos.
   A questão de Augustinho foi triste: ele teve que ser levado para outra cidade para fazer uma cirurgia, jamais retornaria para uma peleja. O coração de Santos se entristeceu; ele queria que o jovem recuperasse, bem o suficiente para tomar outro tiro em seu lugar. Agora, teria que achar um novo garoto moldável, para que gostasse dele ao ponto de se sacrificar e fosse competente, diferente de Hernane.
    Já Uriel, não hesitou em contar a Santos sobre a traição de Jeremias. Tempos depois, os policiais chegaram a Ventania dos Coqueiros, sede das volantes para recrutar alguns homens. No entanto, a verdadeira motivação de Uriel e Santos era encontrar a família de Jeremias, colocar seu plano em prática e capturar o cangaceiro Penumbra e o restante do bando.

      Enquanto Santos resolvia a questão dos novos recrutas no quartel da força policial, os militares tiveram uma "folga" e ficaram aventurando pela cidade.

     Diferente dos outros, Válter preferiu ficar no quartel. Gerúndio fez-lhe companhia, enquanto Marcelo saiu para beber com os outros.

— Não quis sair por quê, sinhô? Quero dizer, macho — perguntou Gerúndio, com a boca cheia de bolo de rodo e segurando um copo de café.

— Se quiser sair, pode ir Gerúndio, é só uma questão pessoal minha, não se preocupe. — respondeu Válter com um sorriso singelo, perdido em seus pensamentos.

— Tô te achando borocochô por demais. Fale comigo, amigo é pra essas coisas! — insistiu voltando a comer e deixando várias migalhas de bolo caírem, sendo aparada pela sua barriga de cachaceiro.

— Hoje é aniversário de morte da minha mainha — falou com a voz baixa demonstrando tristeza, pegando um relógio de bolso feito de ouro branco e abrindo o compartimento de retrato para ver a foto da família.

   A foto havia sido tirada dois meses após o nascimento de Válter. Nela, seu pai, que na juventude tinha uma aparência quase idêntica à do filho, exceto pelo bigode que Válter não deixava crescer. Ao lado, estava sua mãe. Mesmo a foto sendo preto e branco, ele tinha vagas lembranças de sua aparência: uma mulher alta de pele clara, com cabelos escuros extremamente lisos e olhos violetas raros, que seu irmão mais velho herdou, assim como os cabelos negros.

— É só saudades que às vezes aperta no peito, não se preocupe!

— Sinto muito, amigo — consolou. — É mió eu não te incomodar agora — Gerúndio disse, retirando-se. Essa era uma questão sobre a qual ele nada podia fazer e nem sabia como ajudar.

    Sozinho na sala, Válter inclinou a cabeça para trás e a apoiou no encosto da cadeira, encarando o teto cinza com seus olhos verdes melancólicos enquanto lembrava do passado.
    Na verdade, ele tinha duas mães. O pai de Válter, coronel Francisco, lutou muito para esconder isso, mas na realidade, Válter era filho biológico de uma mulher negra. Francisco Alvez, abusou  de uma escrava na mesma época que engravidou sua esposa, que já tinha um filho de nove anos. A mulher do coronel perdeu o filho que esperava no final da gestação e, ao ver que a escrava teve um filho branco, sem traços negroides e muito parecido com o pai, tomou o menino dela e ordenou que a escrava se afastasse.

   Válter cresceu até os sete anos, desprezando e odiando negros. Quando descobriu ser filho de uma, sentiu uma enorme repulsa e queria esquecer a todo custo, mas isso nunca aconteceu. Ele conheceu a mãe que lhe deu à luz, sentiu amor por ela e nunca admitiu esse sentimento, até o dia que ela foi acusada de um crime e foi condenada à morte por desmembramento em praça pública. Ele a viu morrer e até hoje sente o arrependimento nunca ter demonstrado o carinho que tinha por ela, uma das poucas pessoas que o amou.

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