Capítulo 11-

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   No primeiro vislumbre do sobrado, Afonso desceu do cavalo e o amarrou próximo dali, decidindo chegar a pé para não chamar a atenção de ninguém. Desta vez, trouxe consigo uma pistola Luger e uma peixeira para facilitar a entrada discreta na casa. Por último, deixou o carcará de vigia, caso algum perigo se aproximasse; o pássaro daria o aviso.
  Já nos arredores da casa, ele percebeu que havia poucos jagunços, e os que estavam lá estavam machucados ou dormindo. Aproximou-se da janela do quarto da garota e começou a escalar. Era o último andar, o que aumentou a dificuldade; a pressão das pontas dos dedos contra os tijolos estava dolorosa, mas suportável, e valeria a pena. Ao chegar na penúltima janela, ouviu uma conversa e reconheceu uma das vozes como a da filha do coronel.

— Não tens vergonha? Painho morreu e a senhora fica aí, se esfregando em outro como uma quenga!

Depois da fala, Afonso ouviu um estralo que se assemelhava ao som de um tapa.

— Olha bem como fala comigo! — uma voz madura e enfurecida disse. — Esfrego mesmo! Eu odiava Lorenzo, casei-me, obrigada. Ele se foi; agora irei fazer o que sempre quis. Pouco me importa se me achas quenga ou não, só quero que sumas, ou até mesmo morra igual ele. Aí sim, minha vida ficará perfeita. Odeio-te, Socorro! Vosmicê estragou minha vida junto com seu maldito pai!

  O homem se espantou com o que acabara de ouvir. Havia dito para a garota que a mãe não ligava para ela, entretanto, não imaginava que isso chegaria ao ponto de desejar sua própria morte. Esperou para ver se ouvia mais alguma coisa, mas a conversa encerrou por ali.
  Voltando a escalar, finalmente chegou à janela do quarto da mulher e a viu chorando ajoelhada na beira da cama, com a cabeça baixa. Teve dó da moça, mas iria reprimir esse sentimento a todo custo; ela não teve dó na hora de caguetar sobre ele para os volantes, quase o mataram, e barato isso não ia ficar.
   Pulou a janela e se assustou com o quarto dela. Quando entrou pela primeira vez, estava com pressa e a pouca luz impedia uma visão ampla, mas agora, com todos os candeeiros a óleo acesos, conseguiu ver a beleza do cômodo, quase todo rosa-claro, com grandes cortinas de brocado, penteadeira, espelhos, cama e armário feitos de madeira maciça esculpida, além de uma bela prateleira com alguns saltos luxuosos que, com toda certeza, haviam vindo da França. Deixando a admiração de lado, aproximou-se com passos leves da moça, sentando na cama e acariciando os cabelos castanhos dela.

— Vim buscar vosmicê, sua chorona — disse em um tom sarcástico forçado, acompanhado de um sorriso de canto; não queria, de jeito nenhum, transparecer o sentimento de empatia que começava a florescer em seu coração pela mulher.

  A aproximação repentina, junto daquela voz grossa, a fez estremecer. Levantou rapidamente a cabeça; sua visão turva pelas lágrimas dificultava ver quem estava à sua frente. Achou que era algum dos criados negros e, ao focar no rosto rústico do mascarado, com o cabelo claro rebelde, se levantou e o abraçou, afundando a cabeça no peito do homem, que esperava qualquer coisa, menos aquela reação.

— Leva-me logo, Sarará, tira-me desta casa, por favor! — suplicou em desespero.

  O louro, no meio do caminho, tinha pensado em muitas coisas, tantas situações, mas a que a filha do coronel imploraria para ser levada pelo suposto "assassino" do pai foi a única que não passou pela sua cabeça. Ficou calado, tentando formular alguma frase ou reação, mas não conseguia pensar em nada. Sentir o abraço da mulher e sua roupa sendo molhada pelas lágrimas só o deixava ainda mais confuso e vulnerável.

— Anda, cangaceiro, tem que cumprir com a palavra! Cumpra logo a sua! — ordenou entre soluços.

— Não! — negou, focando seus pensamentos somente nos seus companheiros machucados. Iria evitar a todo custo ser bondoso com ela.

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