Capítulo II - O Enforcado

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Uma armadura de placas negras e um cachecol azul-escuro. Acompanhada por um lobo e montada num cavalo. Diziam que o Cavaleiro de Monteprata era uma abominação da natureza. Um homem alto com cauda de besta e presas tão afiadas que mal cabiam nas gengivas.

Em pouco tempo, os boatos desse vulto misterioso haviam se tornado uma história para crianças malcriadas.

Um bicho-papão.

Kinley encarava a estrada adiante, montado em seu cavalo. Até que gritos e berros de agonia cativaram sua atenção no momento em que ouviu. Vinham da estrada de cascalho. O caminho que o taverneiro lhe havia contado — por onde a megera-lobo teria trilhado.

Os ecos distantes do desespero ressoavam pela floresta. Ele galopava, atiçava as rédeas e disparava. Se seus instintos não estivessem errados, aquela mulher poderia não estar tão longe quanto pensava.

Ele cerrou os punhos e inspirou forte a brisa gélida.

Um odor sufocante de cinzas se mesclava com a umidade da neblina, concentrando-se mais a cada jarda corrida pelo cavalo. O cheiro vinha duma vasta cortina de fumaça, levantando-se ao céu como uma torre de fuligem.

"Fumaça?" ele tossiu e apertou os olhos.

Ofuscado pela cortina de fumo, seguia cegamente pela estrada, temente de nada senão de seu futuro se não encontrasse aquela mulher. Não podia parar, não podia hesitar. Por nada naquele mundo. Engolindo a fuligem em seco, Kinley disparou, cortando através da amálgama de fumaça e neblina.

E alcançou a fonte do desastre: o resto de um grande incêndio, agora apenas cinzas e poucas brasas tremeluzentes. Ele atiçou as rédeas e desacelerou seu cavalo enquanto passava, contemplando as evidências dos horrores que havia acontecido naquele lugar.

Ele olhou.

Ele viu.

Ele contou.

E, ainda assim, não conseguia acreditar. Kinley puxou firme as rédeas e parou o cavalo de uma vez, pisando no estribo e desmontando para analisar aquilo o mais perto que pudesse.

Eram cerca de dois a três cadáveres imolados e arcabouços cremados. Ao lado, uma trilha de sangue que levava a uma cabeça decepada recostada numa carroça caída. Noutro canto, um corpo largado de bruços sobre a neve, com uma laceração profunda sobre a neve.

Cordas amarradas e camufladas para tropeçar os cavalos. Estilhaços de frascos de cerâmica queimados — óleo para incendiar a caravana daqueles homens armadas. Provavelmente um grupo de mercenários.

E, por fim, restava um cadáver prensado contra o tronco de uma árvore, cujo tronco fora manchado por um rastro vermelho-morto. Diferente dos outros, esse tinha um punhal serrilhado e ensanguentado alojado em sua traqueia.

Ele puxou a faca fincada no pescoço do homem e tirou um lenço esbranquiçado de sua algibeira. Limpou o sangue da lâmina velha com o pano, admirando os arranhados do punhal — suas cicatrizes de batalha — antes de guardá-la em sua mochila.

Nos mapas, a estrada que transpassava a fronteira luzo-súdica era perfeitamente reta, livre de sinuosidades. Kinley virou os olhos em direção ao único caminho que restava a trilhar, de onde pegadas fundas de ferraduras pareciam ter disparado o mais rápido possível para longe daquele lugar.

"Encontrei você."

Num ímpeto, ele remontou em seu cavalo, atiçou as rédeas e começou a galopar, perseguindo aquelas pegadas antes que a nevasca cobrisse as únicas evidências que ele tinha da existência de um mito.

E não importava o quão casca grossa você fosse, ninguém podia subestimar o frio das Terras Súdicas. Semanas se passaram desde que ele entrou naquelas terras, e havia dias desde que a noite não amanhecia. Era a primeira vez que ele sentia os ventos cortantes do inverno súdico correrem pela sua pele.

A Megera de MonteprataOnde histórias criam vida. Descubra agora