Capítulo III - A Temperança

14 2 0
                                    

Águas mornas banhavam sua pele alva, lavando-a o suor do cansaço e a sujeira da trilha. Embora não conseguisse tirar a frustração de mais uma derrota de sua mente, o calor gentil do banho quente retirava um peso de suas costas e relaxava seus ombros rígidos.

Um longo e profundo suspiro escapava de seus lábios.

Dizem que lobos conseguem escutar até mesmo o som das folhas caindo no outono. E havia vários momentos em que ela desejava que isso não fosse verdade. Não conseguia mais contar nos dedos quantos dias havia se passado desde que havia dormido um sono inteiro.

Ela queria silêncio — um momento de tranquilidade. A mulher-lobo tapou suas orelhas pontudas com as mãos e mergulhou sua cabeça na água. Segurava a respiração. A sensação de estar submersa lhe trazia uma paz que nenhum monge kaeriano sequer poderia sonhar em alcançar.

"Apenas um pouco de silêncio", pensou, enquanto as únicas coisas que conseguia ouvir eram as bolhas que escapavam de seu nariz e as vozes de seus próprios pensamentos. Prendeu o fôlego até não aguentar mais, aproveitando ao máximo aquele breve momento de serenidade.

Quando finalmente levantou a cabeça, respirando fundo, o uivo rouco da nevasca afora voltou a penetrar seus ouvidos. O crepitar do pavio das velas no banheiro e as janelas do andar debaixo se debatendo num frenesi tão alto quanto o estrondo de um trovão. Quanto mais longe ficasse da entrada do estabelecimento, menos barulho teria para incomodá-la na hora de dormir. Por isso, escolhera o terceiro andar.

A dona da hospedaria já não havia permitido que Amora a acompanhasse em seu quarto, sendo Amora a única que sempre dormia ao seu lado. Sua companheira durante as noites agora era relegada aos estábulos. Ao menos faria companhia ao solitário Mirtilo.

Era por isso que não gostava de estalagens. Amora era mansa e adestrada, nunca morderia ninguém a menos que fosse ordenada. Uma loba mais comportada do que muitas das crianças da Capital.

Seus cabelos encharcados pesavam sobre seus ombros pálidos, salpicado por sardas escassas. As bolhas do sabão faltavam transbordar da banheira. Com cuidado para não tropeçar, ela deixou o banho e enrolou seu corpo inteiro numa toalha larga.

Pingando de sua cabeleira longa, as gotas d'água sarapintavam as tábuas do assoalho enquanto ela andava pelo corredor até voltar ao seu quarto. O calor sereno do banho não durava muito tempo fora da banheira.

Seu corpo tremia enquanto ela sentava-se na cama, secando seu corpo pesado e enfadado. Aquela solitária lanterna de azeite que repousava numa cômoda era toda a luz que ela tinha direito naquele quarto frio e escuro. Fechar os olhos e contar cordeiros era a única coisa que ela pensava em fazer depois de secar-se e vestir-se.

Ela trajava-se com suas calças e seu casaco de peles, cruzando os braços para afugentar o frio. Seu estômago roncava — uma consequência frequente de seu voto de pobreza. Alguns tímidos siclos de cobre tilintavam em sua algibeira, insuficientes para sequer uma única refeição.

A cavaleira tirou um odre cheio de sua mochila e bebeu-o até não restar mais uma única gota. Água para tentar enganar a fome. Ela se largou na cama e respirou fundo, fechando os olhos.

Foi então que o tilintar dos sinos da porta ecoou em seus ouvidos, provenientes do andar inferior da hospedaria. Rapidamente, os passos apressados da senhora ressoaram pelas escadarias, descendo com urgência. Seus ouvidos captaram as vozes abafadas de um homem e da anfitriã, um murmúrio que se misturava ao crepitar distante da lareira e ao sussurro do vento lá fora.

Uma conversa inaudível.

Nada que lhe dissesse respeito.

Esvaziar a mente e adormecer o corpo. Apenas isso. Mas como tirar as imagens daquele massacre de sua mente? Como poderia simplesmente dormir, agindo como se nada houvesse acontecido naquela estrada?

A Megera de MonteprataOnde histórias criam vida. Descubra agora