Capítulo VIII - O Diabo

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Eles seguiam caminho. Kinley liderava a trilha. E cortar mesmo que um único fio prateado por noite se provou difícil demais até mesmo para Minerva. O ritual sugava suas forças como as presas de um vampiro, consumindo e despojando seu poder arcano.

Vez ou outra desmaiava, ainda; mas jamais fraca e definhada, ao ponto de adoecer como ficara antes. Kinley, enquanto isso, tinha que arcar com sua promessa de protegê-la.

Uma noite de sono era sempre o suficiente para reclamar as forças nos braços e nas pernas; mas seu arcano custava uma semana inteira para se recuperar das liturgias de purificação. Uma vez por semana era o máximo que ela conseguia fazer sem sofrer as consequências daquela primeira vez.

E não podiam desperdiçar o precioso tempo que lhes restavam.

Era uma clareira de fim de inverno, quando a neve sobre o relvado derretia num verde úmido. Uma fogueira e seu calor crepitante. Eles se trajavam sob suas armaduras, equipados de suas lâminas.

Muitas e poucas coisas aconteciam durante o caminho. Muitas conversas que eram poucas, e poucas palavras que eram muitas. E nesse vão das coisas que não diziam um ao outro, ficavam somente por ali, sem saber-se ao certo o que era devido falar.

Se ela não contava, jamais ele diria. E se ele não falasse, jamais também ela poderia responder. Então o silêncio pairava. Sempre até algum dos dois surgir com um algo que não fosse meramente jogar conversa fora.

— Você me falou um bocado sobre a bruxa — murmurou ela. — Como se fosse o diabo, um mal além da minha compreensão.

Kinley sentava-se recostado às ranhuras dum tronco. Descansava as costas e bocejava um cansaço insone.

— Prefiro não falar muito sobre isso.

— É que há uma coisa que nunca entendi ao certo: eu nunca a vi desde que nos conhecemos, mas você continua por noites em claro com medo do que ela possa a fazer.

A pergunta que não queria calar.

— Quem diabos é essa tal de Emília?

Ele mordiscava uma bolacha seca de sal e água. Não se falava jamais o nome daquela bruxa em vão. A alcunha do diabo. Por muitas vezes, preferia somente a ignorância, e fingir que não existia nenhum de seus problemas. Era apenas assim que conseguia pegar no sono.

A fogueira crepitava, e ele cultivou um silêncio até conquistar a coragem para falar do inominável.

— É uma feiticeira da alta cúpula da corte invernal, uma exarca poderosíssima do Sacro Império — replicou ele. — Se eu pudesse descrevê-la, diria que é a própria definição de poder nas mãos erradas.

Minerva coçou a bochecha, poucas daquelas palavras lhe pareciam fazer o mínimo de sentido. Alta cúpula? Corte invernal? Ele falava com tamanha convicção que se envergonhava até em perguntar.

— Olha, moço... você vai ter que me desculpar, mas não entendi bulhufas do que você disse no começo.

— Não tem problema — replicou ele. — Apenas fique atenta ao que eu digo, e em breve entenderá.

Ela balançava sua cauda, arrebitava as orelhas e lhe fincava os olhos sem desfoque, atenta e incisiva como um cão leal.

— Sou toda ouvidos.

Kinley mal conseguiu conter o riso. As peculiaridades daquela mulher, antes bizarras aos seus olhos, em pouco tempo perderam a estranheza. E agora, poderia ainda ousar chamá-las de adoráveis.

Quem sabe até graciosa?

Afinal, Minerva era dona de um certo encanto, suficiente até para distraí-lo da hedionda alcunha daquela feiticeira. Um charme que — como homem feito — com certeza não lhe passava despercebido.

A Megera de MonteprataOnde histórias criam vida. Descubra agora