Capítulo IX - A Estrela

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Um frio na barriga, uma pedra no sapato, borboletas no estômago e um calafrio na espinha. Um misto promíscuo de sensações embrulhadas e indigestas em suas entranhas. A visita inesperada daquela bruxa era mais um lembrete visceral de tudo que estava em jogo.

Kinley não pregou os olhos naquela noite.

Não pôde.

Nem conseguiu coragem para seguir viagem.

Um homem forte, alto e corpulento, cujas mãos tremiam como a criança que um dia já foi. Agora com medo de coisas que o pequenino nem em seu mais febril pesadelo poderia temer.

Não era mais medo de escuro, nem das coisas que nele se escondem. Uma queimação rasa descia pelo seu rosto. Se ainda fosse menino, acender a luz bastaria para afastar o seu temor. Minerva reacendeu a mesma fogueira, mas seu coração não desistia de tentar saltar para fora de sua garganta.

Como se seu corpo estivesse preso entre duas paredes estreitas e rochosas, confinado numa ravina. Ninguém por perto ouvir os gritos de socorro. Pelo menos era o que ele achava.

Pânico.

As orelhas dela ouviam cada batida célere e forte em seu peito. Não importava o quanto tentasse disfarçar, dela jamais ele seria capaz de esconder o seu terror. Ainda assim, um ato em vão, Kinley persistia na farsa de mostrar-se forte além de sua fraqueza.

Covarde?

Não se chama coragem o medo de ter medo. Nem se chama bravura o medo de mostrar o que temes. Nem valente é aquele que não tem medo. Este é um lunático, pois também a coragem é um nome que às miríades confundem com loucura.

Kinley não era louco — disso tinha quase certeza — e também não era nenhum covarde. Mas também não se dizia corajoso, porque já era homem feito e ainda tinha medo de dormir à noite. O que poderia ser, então?

— Luci?

A mulher lhe chamou pelo seu primeiro nome. O seu nome ecoava, e apenas a voz de sua mãe ele ouvia. Nos quartos, o aroma de raspas de madeira velha e acabadiça. Os incensos de mirra sobre a mesa da sala.

— Olha pra mim, homem — murmurou ela. — Nos meus olhos.

Ele se recostava naquele mesmo tronco, ofegante. Inclinou o queixo para cima, virando o rosto até encontrar-se nos olhos dela. Não conseguia encará-la, sua vergonha não deixa. Fraco e patético, enquanto ela o encarava do alto e altiva, imponente.

Mas que vexame.

— Não sei o que você quer — replicou ele. — Mas posso te garantir que agora não é a hora.

Minerva balançou a cabeça num desdém inocente e soltou um suspiro. Viu nele um reflexo de sua própria teimosia. Ela sentou-se ao lado do soldado, e sua armadura trincolejava ao encostar-se naquele tronco.

Kinley tinha um bom cheiro de terra, salpicado dum leve aroma de mirra seca que seu faro aguçado captava. Uma fragrância mista de petricor. Nada tão extravagante como um perfume, mas também longe de malcheiroso. Um cheiro agradável que seu olfato certamente não repudiava.

— Um velho homem de cabelos grises um dia me disse que qualquer hesitação traria a minha ruína — contava ela. — Luci, você já ouviu falar disso alguma vez? Que "hesitação é morte"?

Um longo silêncio.

Ele virou-se para ela, seu olhar afiado.

Custou um pouco para que assimilasse as palavras dela.

E assim responder.

— Esse é o Voto de Ferro, quase todo maldito guerreiro do norte ao sul já ouviu falar desse mandamento. — Ele elevou a voz, seu desdém latente em seu timbre curto e grosso. — E se pretende me dizer que eu não posso hesitar porque já temos bastante a perder, eu certamente já tenho plena e total noção disso, minha senhorita. Não sou nenhum covarde.

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⏰ Última atualização: Apr 04 ⏰

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