Capítulo VII - O Pastor

2 0 0
                                    

Minerva envolvia a caneca de chocolate quente com as suas duas mãos calejadas. A quentura gentil esquentava suas palmas e o vapor fumegante do leite morno acalorava seu rosto. Apenas mais dois dias de noite invernal se passaram desde então.

Era o quarto dia de cama, e o segundo de lucidez. Fora apenas naquela noite que conseguira recuperar a força nas pernas e caminhar pelos corredores sem a ajuda de Kinley. E como não amanhecia, o horário de dormir era sempre aquele em que decidiam apagar as velas e as candeias.

— Como você está se sentindo? — perguntou ele, apagando os pavios das velas com seus sopros.

— Bem melhor, graças a você.

Kinley segurava um candeeiro aceso sobre sua coxa, deixando-a como a única chama que restava a iluminá-los. E servia-se com uma xícara dum chá gelado e cheiroso.

— E você? — retrucou ela.

— Não se preocupe comigo, não sou eu quem estou doente.

Minerva tomou um tímido gole, com medo de queimar a língua com a pressa, assim como sempre fazia quando criança. O chocolate quente escorria pela garganta e amornava seu corpo.

— Quer um pouco? — ofereceu ela.

Kinley descansou as costas numa cadeira e cruzou os braços. O cansaço de cuidá-la pesava em seus ombros. Ele descarregou toda a exaustão do dia com um longo suspiro.

— Não, eu já estou tomando meu chá. Fica pra próxima.

— É que você vive me pagando as coisas, mas nunca te vejo aproveitar, então fico com um peso na consciência...

— Eu não me importo — Kinley fechou os olhos. — E se nem eu ligo, é que não tem realmente por que você quebrar a cabeça com isso.

Reclinada junto à rude parede de tábuas, ela entregava-se ao seu chocolate em um silêncio taciturno, gole a gole. Minerva, vez ou outra, desviava furtivos olhares na direção do homem assentado ao lado de sua cama, disfarçando seu interesse. As sombras pesadas debaixo dos olhos dele afundavam suas pálpe-bras, testemunhas de suas inúmeras vigílias.

Não era a primeira vez que ela o via tão cansado.

— Por que não tira um tempo para descansar também? — inquiriu ela, depositando a caneca vazia sobre a cômoda. — Eu não te vejo dormir desde que nos cruzamos.

— Como eu já disse e redisse — murmurou ele. — Apenas vá dormir, você não tem por que se preocupar comigo.

Kinley mal conseguia manter os olhos abertos. O aroma singular e amadeirado espalhava-se pelo recinto. Não conseguia fechar os olhos sem tomar um bom gole daquele chá.

— Isso é... valeriana? — perguntou ela.

Ele inclinou o rosto em direção a ela. Uma sobrancelha arqueou, intrigado. Mesmo que os lobos possuíssem um faro mais apurado do que os humanos, raros eram os boticários do Sul que eram familiarizados com o perfume daquela flor.

— Não sabia que possuía tanto sobre flores e chá — expressou, em um tom de curiosidade genuína.

— O chá de valeriana é extraído das raízes, não das flores — corrigiu ela prontamente. — Eu costumava usar valerianas para tratar das minhas cólicas e algumas dores, mas sempre me davam muito sono, então acabei trocando por algo melhor.

Ela deslizou pela cama, arrastando consigo os lençóis, aproximando-se cada vez mais dele, para que seus sussurros pudessem ser ouvidos.

— É um chá forte, repleto de efeitos adversos — continuou ela. — Eu apenas tomava nas minhas piores noites.

A Megera de MonteprataOnde histórias criam vida. Descubra agora