Capítulo IV - O Julgamento

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"Leve suas armas e me encontre na clareira atrás dos estábulos, estarei esperando no amanhecer do dia seguinte" foram essas as últimas palavras que Kinley ouvira daquela mulher antes deixá-lo o quarto. Seu coração pulava, vez ou outra, uma de suas batidas.

A nevasca descansava como um manto sobre o relvado — os ventos outrora atrozes agora lentos e serenos. E ele esperava no meio daquela clareira imóvel como um monólito., donde apenas o luar das luas gêmeas cintilavam sobre o véu noturno.

Mas havia apenas um único problema em tudo isso.

Como saber se havia amanhecido, visto que o sol não nascia durante o inverno súdico? Ele carregava consigo um conta-horas; mas como saber o horário se os fusos eram tão diferentes? Além disso, Kinley se recusava a ajustar as horas em seu relógio de bolso.

Não ousava encostar um dedo em uma das únicas heranças deixadas por seu finado pai.

Segurava sua espada bastarda pelo ricasso, como de praxe, esperando pelo momento que alguma hora teria de vir. Ele se recostava num tronco áspero, descansando sob as copas das coníferas — seu hálito gelado soprava nuvens esbranquiçadas.

Cinco minutos? Meia-hora? Uma hora? Duas horas? Houve um momento nesse tempo em que parou de contar quantas voltas davam o ponteiro dos minutos ao redor de seu eixo.

Entretanto, quando ele se deu ao luxo do sossego por um único instante, um tilintar pesado que pisoteava a neve ecoou sob as folhagens das árvores. Um som que conhecia bem. Melhor do que ninguém. O tintinar das grevas e das placas de metal ressoava como o chocalho duma cascavel.

As placas da armadura escuras como ônix e um cachecol índigo e surrado, drapejando com a brisa rente. Suas orelhas recônditas no elmo negro e sua cauda à mostra, descansando baixa atrás de suas costas.

Ela empunhava uma longa arma de haste com uma lâmina lateral — uma glaive formidável. Um gume azulado e reluzente como um cristal preso no zênite duma haste prateada.

Surgindo na clareira e irrompendo do breu ofuscante da noite, ali pairava não somente Minerva; mas o Cavaleiro de Monteprata.

— Demorou para se arrumar? — brincou Kinley, fincando a lâmina de sua espada no relvado.

— Não teste a minha paciência — replicou ela, sua voz suave abafada pelo elmo fechado. — Erga sua espada e prepare-se para a batalha.

— Você sempre decide as coisas assim?

Ela segurou sua glaive com as duas mãos e separou os dois pés, tomando sua postura de batalha.

— Algum problema?

— Preferiria um jeito mais pacífico. — Kinley apoiou-se em sua espada larga, um sereno sorriso em seu rosto. — Meu pai me ensinou a nunca levantar a mão contra uma mulher.

Minerva soltou um suspiro e relaxou as mãos que apertavam o cabo arranhado de sua arma. Dizem que lobos têm um forte senso de intuição, confiando em seus instintos apurados para sobreviver.

Ela afiou seu olhar, fitando-o no fundo da alma. E sondou pelos sentimentos dele. Suas mãos hesitavam ao empunhar o cabo de sua espada; mas não morava medo em nenhuma das pregas em seu rosto. Ele se mostrava relutante em lutar, por alguma razão.

— A hesitação será sua morte — avisou ela. — Posso não ter um corpo tão forte quanto o seu, mas não subestime minha destreza arcana.

Kinley balançou a cabeça, discordando com veemência.

— Não estou dizendo que você é fraca — afirmou ele. — Longe disso, apenas não é do meu feitio brigar com mulheres. Somente o faço em situações de vida ou morte.

A Megera de MonteprataOnde histórias criam vida. Descubra agora