Interlúdio - O Juramento

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No mundo, existem duas grandes fontes de poder mágico, das quais os mortais podem canalizar sua energia para desenvolver uma variedade de habilidades e conjurar feitiços de grande poder.

São os Arcanos e a Divinação.

O Arcano é uma habilidade inata à alma de todas as raças lúcidas — aquelas que atendem à razão e falam em idiomas. E os Arcanos são divididos em duas categorias: os Arcanos Nobres e os Arcanos Médios.

Por outro lado, a Divinação é a capacidade dos mortais de extrair poder de sua fé numa entidade ou ideal. Há uma miríade de formas de receber a autoridade dos céus para usá-la sobre a terra.

Um paladino é aquele que vive por um juramento, um acordo feito com as divindades que regem acima de quaisquer reis. São apenas essas sentinelas que podem carregar, por sua devoção, a autoridade divina em suas mãos — os verdadeiros emissários da justiça e vigias da calamidade.

Eles carregam as chamas sagradas em suas lâminas, perfurando a escuridão da mais atra noite com o gume de seu aço. E entre as divisões desses guerreiros devotos, haviam aqueles que juravam pelas cinzas — encarregados de proteger as cinzas dos mortos e a chama dos vivos.

— Nunca cometa esse erro de novo — murmurou um cavaleiro, sua voz abafada pelo seu elmo negro. — A hesitação será sua perdição.

O homem apontava uma glaive contra uma pequena jovem. Ela tinha orelhas e cauda de lobo; mas não era isso que o chamava atenção: a menina abrigava um fulgor intenso em seus olhos enquanto segurava aquela espada.

— Eu não quero usar uma espada! — reclamou ela. — Eu quero aprender a usar a mesma arma que você!

As mãos da criança tremiam, mal conseguiam aguentar-se com o peso do aço que empunhava, mas ela não desistia. Estendia a lâmina reta contra seu mentor em armadura.

O paladino, então, saltou para frente e pisou na lâmina da garota, fincando o gume da espada na terra do jardim.

— Você vai aprender a usar qualquer arma, qualquer artimanha ou truque que estiver ao seu dispor — repreendeu ele. — Seus inimigos não jogarão limpo, então por que você deverá?

— Mas isso... não vai contra o juramento? Ser desonesto?

— Na batalha, a sobrevivência vem antes da honra. Se você não consegue nem proteger a sua chama, como pretende preservar a dos outros?

A menina tentava puxar a espada sob as botas do cavaleiro; agarrava o cabo da lâmina com tanta força que ardia sua pele. Houve um momento em que a dor dos calos foi além do que uma criança poderia suportar, e ela hesitou, largando o cabo da espada.

A menina assoprava a palma da mão, procurando mitigar a agonia de seus calos com seus sopros gelados. O homem balançou a cabeça e soltou um longo suspiro, guardando sua glaive atrás de suas costas.

— O caminho do ferro e do fogo foi forjado para homens, e mesmo esses ainda se arrependem do que perderam depois de dedicar a vida ao juramento.

Ele se ajoelhou diante da criança e deitou a mão sobre seu ombro.

— Existem outras maneiras nobres de ajudar os necessitados, de trazer justiça a esse mundo — continuou. — Se não fossem por essas diaconisas do monastério, por exemplo, muitos de nós, paladinos das cinzas não suportariam seus itinerários.

Entretanto, ao ouvir o sermão complacente, ela afiou suas pálpebras e fincou seu olhar no fundo dos olhos dele. Através das frestas de seu elmo, ela fitava-o nas pupilas, convicta.

— Mas nada disso trará minha família de volta — replicou ela. — O único caminho que devo seguir é esse.

— Eu realmente não consigo me livrar de você, não é?

Ela deu um passo para frente.

— Por favor — insistiu ela.

— Como quiser, mas antes te preciso contar uma coisa.

O homem tirou seu pé de cima da espada e entregou-a aquela arma com as duas mãos — uma no cabo e outra na lâmina.

— Assim como o amor é a fonte da hesitação, o ódio é o chafariz do descontrole; jamais deixe o rancor cegar o seu juramento, pois nosso poder depende unicamente dele — avisou ele. — Se um dia você romper o seu pacto divino, dificilmente os céus confiarão novamente em sua devoção.

A menina empunhou e embainhou a sua espada, inclinando-se em reverência ao seu mentor.

— Obrigada — murmurou ela.

— Mas nunca se esqueça do que eu disse.

O paladino levantou-se e deitou a mão sobre a cabeça de sua aprendiz, afagando seus cabelos escuros e suas orelhas felpudas. Sua cauda balançava de um lado e para o outro, como a de um cão que reencontrava seu dono após uma longa jornada de trabalho.

— Hesitação é morte — repetiu ela. — Não vou esquecer.

Ele acenou com a cabeça, aprovando sua resposta. Era somente uma pena deixar o lado doce e sereno daquela menina murchar diante do terror do aço e do sangue; no entanto, aquela era sua decisão.

E diante do juramento das cinzas, a liberdade dos vivos é absoluta.


A Megera de MonteprataOnde histórias criam vida. Descubra agora