Interlúdio - A Primogênita

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Um sinete de latão balançava na ponta dum báculo, esvoaçando com a brisa gélida que corria pelo vale das montanhas. Ao tilintar do sino, feras outro-ra atrozes cerceavam cabras — suas presas — mas não para abatê-las. Eram lobos que seguiam ordens de um único homem.

O mundo se sustenta sobre os pilares do domínio. Assim como o pastor domina sobre o lobo, este domina sobre o cordeiro. Um vassalo tem a lâmina de seu suserano sob sua garganta. Um pai tem a vara curta sobre as costas de seu filho pródigo.

— Existe uma ideia de que quem está no topo é mais importante do que quem está embaixo — disse o pastor. — Mas me responda, filhinha, o que é um castelo sem suas colunas? Um teto sem o chão?

O pastor discursava solenemente solitário. Comentava sobre o que os ou-vidos inocentes de uma criança jamais saberiam escutar. A menina virou-se para o homem, inclinando sua cabeça para cima. Confusa, ela insistia no silên-cio, agarrada firme no manto largo de seu pai.

— Assim como um pastor depende da lealdade de seus lobos, um rei apenas existe porque há um camponês para reconhecê-lo como tal. Sem seus lobos, um pastor é somente mais uma presa. Sem seus súditos, um imperador é somente um louco sentado numa cadeira bonita.

Seus passos mastigavam a neve, carimbando pegadas sobre a terra. Um homem alto e corpulento. Uma menina magra e pequena. Eles eram ambos de cabelos negros e olhos azuis, de ascendência lupina. Com orelhas acuminadas e caudas felpudas como de um lobo.

A garotinha ouvia sua barriga roncar, enquanto suas pernas mal aguenta-vam mais trilhar sob seu próprio peso. Bamba e trêmula, chacoalhando com os calafrios perenes do inverno súdico.

— Papai, estou com... fome e... com frio.

Ela apertava firme os braços sob o casaco e escondia as mãos dentro das mangas longas.

— Aguente só mais um pouquinho, meu amor, estamos quase voltando para a lareira quentinha de casa. A mamãe também disse que estava fazendo bolo de chocolate, do jeitinho que você gosta.

O homem afagou os cabelos de sua filha e murmurou:

— Enquanto você estiver ao meu lado, jamais terá de sofrer. 

A Megera de MonteprataOnde histórias criam vida. Descubra agora