Capítulo VI - O Hierofante

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Minerva não abria os olhos tinha dois dias — duas noites inteiras deitadas naquela cama sem sinal de lucidez. Peça por peça, Kinley retirou aquela armadura pesada que a encobria, enquanto a padeira molhava alguns panos para deitar sobre a testa dela.

Por baixo das placas, ela encobria seu corpo esguio com um surrado perponte azul-escuro. As mangas longas revestiam até a extensão de seus pulsos pálidos. E as barras da calça desciam até escondê-la os tornozelos. E o cachecol que a envolvia esquentava toda a pele de seu pescoço.

Kinley, desde que retornara àquela estalagem, não proferiu mais uma única palavra depois de suplicar por ajuda.

— O que... houve com ela? — perguntou a mulher. — Ela me não parece ferida, e estava bem quando saiu com você.

Com o olhar distante, ele guardava silêncio, como se as palavras se esquivassem de sua mente. Seus pensamentos insondáveis desafiavam quem ousava tentar decifrá-los. A padeira não recebeu nenhuma resposta, e não parecia sábio insistir ainda mais em sua curiosidade.

— Você poderia me dar um momento? — suplicou ele, murmurando em seu grave barítono. — Agradeço muito pela sua ajuda, mas preciso desse tempo a só.

A padeira entrelaçou as mãos atrás de suas costas e caminhou lentamente até a saída do quarto. E, antes de se retirar, dando um último relance sobre seus ombros, ela disse:

— Meu nome é Lydia — apresentou-se. — Se tiver algum problema com o quarto, você pode me chamar.

O ruído seco da porta batendo ressoou pelo cômodo vazio, ecoando a solidão que agora o permeava. E no silêncio, ele se afogava. Porque se aquela mulher não mais acordasse, não seria a primeira vez que sujaria suas mãos com sangue inocente.

E dessa vez não seria apenas mais uma vítima de Emília.

Mas de sua própria vontade.

Porque ninguém o havia obrigado a pedi-la por ajuda, mas escolhera por si mesmo que isso lhe era devido. Fora sua escolha. A liberdade sua e somente a colocara naquela cama. Era culpa sua e de mais ninguém. E carregar esse fardo sozinho não parecia mais tão fácil quanto havia imaginado.

Estar preso por tanto tempo àquele contrato, cometendo atrocidades inomináveis em nome daquela feiticeira, havia-lhe feito esquecer qual era o peso de sua própria liberdade.

De suas próprias escolhas.

Se Minerva se tornasse não uma fatalidade de Emília, mas de seu próprio egoísmo, talvez algo mais valioso que liberdade fosse perdido. Afinal, até que ponto ele estava disposto a sacrificar para se livrar de sua maldição?

Um certo receio o envolveu com uma súbita tontura, pois ele não sabia como responder a essa pergunta. Quase sentiu o gosto amargo do almoço que não havia comido subindo pela garganta. Um medo nauseante do que o seu desespero poderia ser capaz.

Aquela farsa que eles chamavam de acordo não poderia continuar.

Não poderia, de jeito nenhum.

Salpicos de mofo negro sarapintavam o teto escuro daquele quarto, onde as sombras balançavam com o fulgor das velas bruxuleantes. Uma enxaqueca terrível martelava sua cabeça enquanto a sua febre alta competia com um frio de ranger os dentes. Um pano molhado cobria sua testa, e mal lhe restavam forças até para dobrar os cotovelos.

Minerva abriu os olhos e acordou com os lábios ressecados.

Aconchegada sobre uma cama acolchoada de feno, grossos cobertores brancos cobriam-na dos ombros aos pés como o casco de uma tartaruga. Ela apenas mexia a cabeça, olhando para os lados. Mas ninguém além dela mesma deitava naquela cama e ocupava aquele cômodo.

A Megera de MonteprataOnde histórias criam vida. Descubra agora