Capítulo Seis.

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O desespero o tomou por completo.

Mesmo com a baixa claridade, o fluido escarlate refletia em suas orbes aterrorizadas.

Havia sangue. Muito sangue.

Mesmo com azulejos negros que adornavam toda extensão do banheiro de Alastor, as manchas avermelhadas ainda se destacavam no piso, na pia e, principalmente, no paletó jogado no chão.

Finalmente, escancarando aquela porta, Lúcifer encontrou o demônio debaixo do chuveiro. Não era difícil concluir que aquele sangue era dele mesmo, visto que ele deixava a água escorrer livremente por toda sua estrutura, levando os fluidos do sangue impregnado em seus machucados, para o ralo.

Alastor não parecia ter notado a presença do invasor, visto que beirava a inconsciência. Aparentava estar mais entretido em se apoiar nos azulejos para não despencar.

O demônio apresentava marcas superficiais delineadas em suas costas e Lúcifer não conseguia enxergar, mas, seu tórax também estava ferido. Todavia, a marca mais evidente, eram as linhas grossas e ensanguentadas que traçavam, tal como uma algema, por toda sua extensão do pescoço.

- Quem fez isso com você? - Questionou Lúcifer, recostado no batente da porta, analisando cada estrago causado no corpo formoso do demônio.

Alastor não esboçou reação nenhuma ao notar o intruso em seu compartimento, tampouco se virou para vê-lo.

Estava cansado.

Finalmente, se entregando à inconsciência, o demônio desistiu de se apoiar nas paredes.

Ele esperou pela dolorosa e humilhante queda em frente ao seu, suposto, rival.

Mas ela nunca veio.

~
- E-ele desmaiou nos meus braços e... E-então...

- Calma pai! Respira fundo...

Sentia-se indo e voltando periodicamente à consciência.

Escutava as vozes, mas, não conseguia acordar por completo. Seu corpo não obedecia seus comandos.

Estava muito cansado.

Não soube ao certo quando dormiu de novo, mas, quando finalmente se viu saindo daquele breu infinito, se levantou em um sobressalto.

Estava sozinho.

A claridade avermelhada do céu infernal, trespassava levemente as cortinas carmesim de seu quarto.

Estranhamente, seu corpo desnudo estava coberto por um lençol de cetim dourado.

Aquele luxo não era seu.

Aquela cor fazia um tremendo contraste com as cores escuras que seu quarto abrangia.

Aos poucos, sua memória passava, vividamente, diante dos seus olhos. Arrepiou-se por completo em lembrar-se do brilho roxo das correntes, do sufoco que sentiu aprisionado naquela coleira, da raiva crescente e...

Da dor.

Notou que seu tórax estava, parcialmente, enfaixado. Como se fosse para estancar o sangue.

E provavelmente era.

Suas orelhas se atentaram ao ouvir a porta ranger.

Lúcifer?

Quando foi que ele tomou a liberdade de entrar em seu quarto livremente daquela forma?

O demônio notou o discreto susto que o Senhor do Inferno tomou ao cruzar os olhos com os seus.

Provavelmente não esperava vê-lo acordado.

- Bom dia! Eu... Trouxe café. - Oferecia Lúcifer, mostrando a bandeja com uma garrafa térmica e mais duas xícaras - Não sei se você gosta.

- Fico lisonjeado com a mordomia, anão. Mas, onde estão minhas roupas? - Seu singelo sorriso quase dobrou de tamanho ao enxergar o leve, quase imperceptível, rubor subindo nas bochechas do loiro - Além do mais, espero não ter sido tocado enquanto inconsciente. - Provocou.

- Não fiz nada com você, idiota! - Exclamou, depositando a bandeja na mesa de cabeceira do demônio - Quanto às suas roupas, Charlie as lavou.

- Quem me viu assim? - Questionou, de forma imediata, subindo o lençol dourado até a altura de seu pescoço.

Sentia desconforto notando os olhares fixos do loiro, nos machucados de sua pele exposta.

- Relaxa, não deixei ninguém ver a sua intimidade. - Piscou Lúcifer, divertido.

- Quem me viu assim? - Repetiu o demônio.

A seriedade na pergunta de Alastor exigia uma postura séria por parte de Lúcifer, que respirou fundo e sentou-se na beirada da cama.

- Somente eu e Charlie te vimos assim. Na verdade, quando você desmaiou, eu... Eu não soube o que fazer. - Confessou em um olhar perdido - Te enrolei em uma toalha e chamei Charlie para ajudar. E ela ficou tão desesperada quanto eu!

Alastor não baixou a guarda.

Se sentia exposto e não abandonaria sua defensiva tão fácil, afinal, por que o Senhor do Inferno o ajudaria?

Por mais evidente que fosse a atração física que ambos sentiam um pelo outro, como estava a emocional? O que Lúcifer realmente sentia em relação a si?

Lilith retornara, não havia motivo nenhum para que o Senhor do Inferno insistisse em... "Alguma coisa" consigo.

- O que queria no meu quarto?

- Dormir. - Disse Lúcifer, de forma simplista, despejando café nas duas xícaras - Fui expulso do meu.

- Como assim? - Inquiriu, confuso, aceitando o café que o outro lhe oferecia.

- Lilith teve um dia ruim, então, decidiu que eu também teria um dia ruim. - Resumia se recordando das ameaças e olhares fatais que recebeu na noite passada - Discutimos, ela me mandou sair, e eu saí.

- Duvido que foi assim, pau-mandado.

- Mas foi! Tudo bem, também haviam coisas voando, especificamente na direção da minha cara, e... - Explicava, bebericando seu café - O que é um "pau-mandado"?

- Expressões terrenas.

- Certo, certo. Terminou seu interrogatório?

Alastor deu de ombros deixando a xícara, já vazia, em sua mesinha de cabeceira ao lado.

- Minha vez. - Declarou Lúcifer, repetindo o gesto do demônio e deixando a xícara na mesinha ao lado - Quem fez isso com você?

Um silêncio sepulcral se manifestou no cômodo.

Ainda sorrindo, Alastor mantinha seus olhos longe dos de Lúcifer.

Não queria responder.

- Isso não pode ficar assim, e eu não vou deixar que fique assim! Alguém tem que ser punido pelo que fez com você. - Insistiu - Foi ela?

- Não. - Mentiu de imediato.

Alastor se sentia encurralado.

Recusava-se admitir que levara uma surra e tanto de Lilith, simplesmente porque ela estava irritada. Certo, talvez Alastor a tivesse desafiado com suas palavras ácidas, mas, não esperava que a mulher fosse perder a cabeça tão facilmente. Todavia, se o Anjo Caído fosse tirar satisfações com a rainha, Alastor teria a certeza de que seu castigo seria extremamente pior.

O que não daria pra se livrar desse maldito contrato?

- Quem então?

(In) Felizmente, antes que o demônio tivesse a chance de formular qualquer resposta, ouviram três toques suaves na porta.

Um calafrio, que não passou despercebido pelo loiro, percorreu inteiramente a estrutura de Alastor.

- Ah, fudeu... - Murmurava, de forma quase inaudível.

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