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CAPÍTULO DEZ

Estava sentado em meu escritório, olhando fixamente pela janela. Diante de mim, uma lista de coisas para fazer – e não era pequena. Precisava passar na casa dos Nicholson. A reforma estava quase completa; o banheiro e o quarto tinham sido concluídos, e restavam apenas alguns detalhes. Precisava pegar novas amostras no centro de design. Tinha uma reunião com um novo cliente a quem Mimi me indicara. E, mais importante, tinha que encarar uma pasta cheia de faturas.
Enquanto olhava pela janela, Yibo monopolizava minha mente. E com razão. Com a explosão dos canos, as batidas com a cabeça na parede e as constantes mensagens me pedindo mais pão de abobrinha, meu cérebro simplesmente não conseguia se livrar dele. E, para completar, ontem à noite, Yibo lançou mão de artilharia pesada: colocou Glenn Miller para tocar. Até bateu na parede para ter certeza de que eu estava escutando.
Naquela noite, tinha ido direto do trabalho para a ioga; estava subindo a escada rumo ao meu apartamento, quando ouvi uma porta se abrir.
– Xiao Zhan ? – ele chamou. Sorri e continuei subindo.
– Sim, Yibo?
– Você está chegando tarde.
– O quê? Deu pra vigiar minha porta agora? – Eu ri e contornei o último patamar. Dei de cara com ele encostado no corrimão, cabelo no rosto.
– Isso mesmo. Estou aqui pelo pão. Quero abobrinha, senhor!
– Você é doido. Sabe disso, não sabe? – Subi o último degrau e parei à sua frente.
– Já me disseram. Hum, você está cheiroso! – ele falou, inclinando-se.
– Você acabou de me farejar? – perguntei, incrédulo, enquanto abria a porta.
– Uhum-mmm, muito bom. Está vindo da ginástica? – Ele entrou atrás de mim e fechou a porta.
– Ioga, por quê?
– Você tem um cheiro maravilhoso quando está todo malhadinho – falou, erguendo sobrancelhas diabólicas em minha direção.
– Sério que você pega geral com cantadas desse nível? – Me afastei para tirar o casaco e apertar uma coxa contra a outra maniacamente.
– Não é uma cantada. Você tem um cheiro maravilhoso mesmo – ouvi-o dizer e fechei os olhos para bloquear a magia de Yibo, que fazia o Pequeno Xiao Zhan  se contorcer.
Clive veio saltitando do quarto quando ouviu minha voz e parou de repente ao ver Yibo. Infelizmente, o assoalho de madeira não oferecia muita tração, e ele patinou um tanto desgraciosamente sob a mesa de jantar. Tentando recuperar a dignidade, executou um complicado salto sobre quatro patas em direção à estante de livros e acenou para mim. Queria que eu fosse até ele – típico de homem.
Joguei a sacola de ginástica no chão e obedeci.
– Oi, meu garotão! Como foi seu dia? Hein? Brincou bastante? Tirou uma soneca? Hein? – Cocei a parte de trás da sua orelha. Ele ronronou alto e me fitou com seus olhos sonhadores de gato. Então, mirou Yibo e, juro, deu um sorrisinho afetado.
– Pão de abobrinha, né? Presumo que você queira mais? – perguntei, jogando meu casaco no encosto de uma cadeira.
– Eu sei que você tem mais. Passa tudo! – ele brincou, apontando o dedo como uma arma.
– Você é meio excêntrico quando se trata de pão, né? Está frequentando algum grupo de apoio pra pessoas assim? – falei e entrei na cozinha para localizar o último pedaço de pão. Talvez eu estivesse guardando para ele.
– Sim, o P. A., Padeiros Anônimos. Nós nos reunimos na padaria da rua Pine – Yibo respondeu, sentando na banqueta do balcão.
– Bom grupo?
– Muito bom. Existe um melhor no mercado, mas não posso mais frequentá-lo – ele disse tristemente enquanto balançava a cabeça.
– Foi expulso? – perguntei, me virando em sua direção.

– Pior que sim. – Fez um sinal com o dedo para que me aproximasse e sussurrou:
– Me pegaram acariciando umas roscas. Dei risada e um peteleco em seu queixo.
– Acariciando roscas – suspirei enquanto ele afastava minha mão.
– Apenas passe o pão, e ninguém sairá ferido.

Ergui as mãos em rendição e peguei uma taça no armário sobre sua cabeça. Arqueei uma sobrancelha; ele fez que sim.
Entreguei-lhe uma garrafa de Merlot e o saca-rolha e peguei um cacho de uvas na geladeira. Ele serviu o vinho, brindamos, e, sem mais uma palavra, comecei a fazer o jantar para nós.
O resto da noite transcorreu naturalmente, sem que eu me desse conta de nada. Uma hora, estávamos conversando sobre as novas taças que eu havia comprado na Williams-Sonoma e, meia hora depois, comendo massa na mesa de jantar. Eu, com minha roupa de malhação, e Yibo, de jeans, camiseta e meia, sem tênis. Ele tinha tirado seu moletom de Stanford para escorrer o macarrão, algo que nem precisei pedir que fizesse. Simplesmente ficou andando atrás de mim na cozinha, escorreu o macarrão e o devolveu à panela enquanto eu terminava o molho.
Falamos sobre a cidade, seu trabalho, meu trabalho, a viagem para Tahoe e sentamos no sofá com o café.
Me recostei nas almofadas, com as pernas dobradas sob mim. Yibo me contava sobre uma viagem que fizera ao Vietnã, cinco anos atrás.

Amor entre as paredes ( pt UmOnde histórias criam vida. Descubra agora