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CAPÍTULO DEZOITO



– Você sempre soube que queria ser fotógrafo?
– O que, como, quando? De onde saiu isso? – Yibo riu, se recostou na cadeira e me fitou por cima de sua caneca.
Estávamos desfrutando um café da manhã bem preguiçoso em meu último dia na Espanha. Café preto, bolinhos de limão, framboesa fresca com creme, com uma costa ensolarada à parte. Vestindo somente uma camisa de Yibo e um sorriso, eu estava no paraíso. Nervos pareciam bem distantes.
– Sério – insisti –, você sempre quis fazer isso? Você parece… bem, você fica tão envolvido quando está trabalhando. Parece que realmente ama o que faz.
– E amo. Quer dizer, é um trabalho, tem momentos de tédio, mas, sim, eu amo o que faço. Mas não foi algo que planejei desde o início. Pra falar a verdade, o plano era bem diferente – Yibo disse, e uma sombra passou pelo seu rosto.
– Como assim?
– Durante muito tempo, pensei em seguir os passos do meu pai. – Ele suspirou e deixou escapar um sorriso melancólico.
Minha mão pousou na sua antes que eu percebesse. Yibo a apertou e deu um gole em seu café.
– Você sabia que Benjamin trabalhou pro meu pai? Meu pai o contratou assim que Benjamin terminou a faculdade. Foi seu mentor, ensinou tudo pra ele. Quando Benjamin quis abrir seu próprio negócio, ao contrário do que se poderia pensar, meu pai ficou orgulhoso.
– Ah, Ben é o melhor. – Sorri.
– Você acha que eu não sei da paixão que todos vocês têm por ele? Sei muito bem. – Yibo me lançou um olhar severo.
– Ora, mas nós não escondemos isso de ninguém!
– A Wang Serviços Financeiros estava crescendo muito, muito mesmo, e papai queria que eu assumisse minha parte assim que terminasse a faculdade. Sinceramente, nunca pensei que sairia da Filadélfia. Teria sido uma vida ótima: trabalhar com meu pai, country clube, casarão no subúrbio. Quem não quer algo assim?
– Bem… – murmurei. Era uma vida idílica, sem dúvida, mas eu não conseguia imaginar Yibo nela.
– Eu tinha trabalhado como fotógrafo pro jornal da escola. Me dei bem na matéria. E, mesmo tendo que fazer coisas como fotografar a peneira do time de hóquei feminino, gostei daquilo. Gostei de verdade.
Imaginei que seria um hobby bacana. Nunca pensei nisso como uma carreira. Mesmo assim, meus pais me apoiaram, minha mãe até me deu uma câmera no Natal daquele ano. O ano em que, bem…
Ele fez uma pausa e clareou a garganta.
– Enfim, depois do que aconteceu com mamãe e papai, Benjamin foi pra Filadélfia pro… pro funeral. Ficou lá por um tempo, para organizar as coisas, sabe? Ele foi o executor do testamento dos meus pais. E, como ele vivia na Costa Oeste… bem, a ideia de ficar sozinho na Filadélfia não parecia tão boa. Resumindo, fui aceito em Stanford, comecei a estudar fotojornalismo, tive muita sorte com alguns estágios, tipo o cara certo no lugar certo, e pronto! Foi assim que comecei a trabalhar com isso – Yibo concluiu, molhando seu bolinho no café e dando uma mordida.
– E você ama seu trabalho.
– E eu amo meu trabalho.
– E o que aconteceu com a empresa do seu pai, a Wang Serviços Financeiros? – perguntei, dando uma colherada nas framboesas.
– Durante algum tempo, Benjamin tomou conta de alguns clientes e, por fim, fechou as portas sem estardalhaço. Os ativos foram transferidos pra mim, de acordo com o testamento, e ele cuida disso.
– Os ativos?
– É. Não te falei? Eu tenho muita grana. – Ele se encolheu e olhou para o mar.
– Eu sabia que tinha um motivo pra estar saindo com você! – Abasteci sua caneca.
– Sério. Muita grana.
– Ok, agora você só está sendo besta – falei na tentativa de dissipar a tensão que envolvera a mesa.
– As pessoas ficam estranhas quando há dinheiro envolvido. Nunca se sabe.
– Quando a gente voltar, você vai comprar o prédio e mandar pôr uma jacuzzi no terraço – brinquei, o que me rendeu um pequeno sorriso.
Sentados ali, nos olhamos, perdidos em pensamentos. Ele havia passado por tanta coisa sozinho. Yibo sempre me pareceu um pouco perdido. Vivia com uma mala na mão, não se permitia prender-se a ninguém, não possuía um sentimento de pertencimento… Seria tão simples assim? O Trepador de Paredes tinha acumulado um harém porque não suportava perder outra pessoa. Discando para Freud neste momento…
Com Freud ou sem Freud, fazia sentido. Ele se atraiu por mim, estava atraído por mim desde o início. O que havia de diferente dessa vez? Obviamente, se sentira atraído também por todos os outroa ômegas. Oi? Pouca pressão? Sacudindo a cabeça, tentei mudar de assunto:
– Não acredito que vou embora amanhã.
Parece que acabamos de chegar. – Me apoiei nos cotovelos. Ele sorriu, tendo percebido minha tentativa nada sutil de mudar o assunto. Mas pareceu agradecido.
– Então fica. Fica comigo. A gente pode passar mais uns dias aqui, e, depois, quem sabe? Pra onde mais você quer ir?
– Até parece. Você está esquecendo que vou embora antes porque foi o único voo que consegui. Além disso, vou trabalhar segunda-feira. É preciso chegar ao escritório organizado e no fuso certo. Sabe quantos trabalhos Jillian passou pra mim?
– Ela vai entender. Jillian se derrete por um bom romance. Fica comigo, vai? Eu escondo você no compartimento de bagagem do avião. – Seus olhos piscaram por cima da caneca.
– Compartimento de bagagem, o caramba! E é isso o que está acontecendo aqui? Um romance? Você não deveria estar me abraçando na praia? E rasgando meu corpete? – Coloquei minhas pernas nuas em seu colo, e ele não perdeu a oportunidade de massageá-las com suas mãos quentes.
– Sorte sua que sou um rasgador de corpete de longa data. Aliás, posso até arranjar uma roupa de pirata, se você curtir esse tipo de coisa – Yibo respondeu, e as safiras começaram a fumaçar.
– Tem sido um belo romance, não? Se alguém me contasse essa história, eu provavelmente não acreditaria – brinquei e soltei um suspiro depois de dar minha última mordida.
– Por que não? O jeito como nos conhecemos não é tão estranho, é?
– Quantas pessoas  você conhece que topariam ir pra Europa com o homem que, semanas antes, estava arrancando a pancadas o gesso da sua parede?
– Verdade, mas eu também poderia ser descrito como o cara que tocou todos aqueles ótimos discos pra você, ou o cara que te serviu, segundo suas próprias palavras, a melhor almôndega de todos os tempos.
– Hum, de fato, acho que você começou a me desarmar com Glenn Miller. Foi aí que me pegou. – Afundei na cadeira conforme seus dedos faziam coisas deliciosas na planta dos meus pés, cobertos com meias que eu também tinha surrupiado do seu lado do quarto.
– Quer dizer que te peguei, hein? – Yibo provocou e se aproximou.
– Ha. Ha. – Empurrei carinhosamente seu rosto e abri um largo sorriso ao pensar no que ele disse. Ele tinha me pegado? Sim. Totalmente. E ia me pegar de novo, mais tarde.
E, com esse pensamento, senti um calafrio na barriga; meu sorriso se acanhou. Nervos tinham montado acampamento e, não importava para onde Cérebro fosse, invadiam cada pensamento, cada ideia que eu tinha sobre aquela noite. Estava pronta – só Deus sabe o quanto –, mas estava nervoso pra cacete. O voltaria, certo? Eu sabia que sim. Já falei que estava nervoso?
– Seu trabalho já está no fim? Ou ainda tem bastante coisa pra fazer amanhã? – mudei de assunto novamente. Como sempre acontecia quando Yibo falava de seu trabalho, seus olhos se iluminaram. Ele descreveu as fotos que ainda precisava tirar do aqueduto em estilo romano.
– Queria ter tido tempo de mergulhar! Que merda o tempo ter passado tão rápido – falei.
– De novo, isso é algo que resolveríamos se você ficasse aqui – Yibo disse. Ele inclinou a cabeça para trás e parodiou minha expressão azeda.
– De novo, alguns de nós trabalham das nove às cinco. Preciso voltar pra casa!
– Certo, casa. Você sabe que vai ter um pelotão de fuzilamento à sua espera, né? Todo mundo vai querer saber o que aconteceu entre nós – Yibo disse, sério.
– Eu sei. A gente supera. – Me encolhi ao pensar no interrogatório que sofreria das meninas. Isso sem falar de Jillian; imaginei se um boquete na cozinha era o que ela tinha em mente quando me pediu para tomar conta de Yibo na Espanha.
– A gente?
– O quê? A gente o quê?
– Eu toparia ser a gente com você. – Ele sorriu.
– Já não somos a gente?
– Sim, mas estamos de férias. É diferente ser a gente em casa, no mundo real. Eu viajo a toda hora, e isso cobra um preço da gente. Yibo disse e franziu a testa.
– Yibo, relaxa. Eu sei que você viaja. Sei muito bem. Continue me trazendo presentinhos lindos de lugares distantes, e este ômega aqui não criará nenhum caso com o seu a gente, ok? – Coloquei minha mão sobre a sua.
– Presentinhos lindos, eu garanto.
– Por falar nisso, pra onde você vai depois daqui?
– Fico em casa por umas semanas, depois vou pro sul.
– Sul? Tipo Los Angeles?
– Não, um pouco mais pro sul.
– San Diego?
– Mais
– Ai, esses alunos de Stanford… Pra onde você vai?
– Promete que não vai ficar bravo?
– Fala logo, Yibo…
– Peru. Andes. Mais especificamente, Machu Picchu.
– O quê? Ah, já chega! É oficial, eu te odeio. Enquanto vou estar em San Francisco planejando árvores de Natal pra uma gente rica, você vai pra lá?
– Eu mando um cartão-postal…? – Parecia uma criança tentando não levar bronca. – Depois, não tem motivo pra você ficar chateado. Você adora seu trabalho, Xiao Zhan. E não venha me dizer o contrário.
– Eu amo meu trabalho, mas, neste momento, queria ir pro sul! – bufei e tirei meu pé de seu colo.
– Bem, se você faz tanta questão de ir pro sul, eu posso pensar em algo…
Coloquei minha mão sobre sua boca.
– Nem pensar, querido. Agora é que eu não machu seu picchu de jeito nenhum. Não, não – falei com firmeza; não vacilei nem quando Yibo começou a beijar e lamber a palma da minha mão. Nem um tiquinho…
– Xiao Zhan – ele sussurrou contra minha mão.
– Sim?
– Um dia – começou, movendo minha mão e depositando beijinhos na parte interna do meu braço. – Um dia… – Beijo. – Prometo… – Beijo. – Que vou levar você… – Beijo. – E meu vodu… – Beijo. – Pro Peru – concluiu e se ajoelhou à minha frente. Sua boca deslizou pelo meu ombro, afastou o tecido e se demorou em minha clavícula, seus lábios me deixando excitado e arrepiado.
– Você e seu vodu no Peru? – perguntei em uma voz alta e patética, porém não o enganei nem por um segundo; ele sabia perfeitamente o quanto estava mexendo comigo.
– E vou estar nu. – Seus dedos se enrolaram em meu cabelo e trouxeram minha boca à sua. Por uma fração de segundo, tentei encontrar algo que rimasse com “nu”, mas desisti e me entreguei completamente ao beijo. E, assim, nós nos pegamos no terraço, com vista para o mar. Que era… azul. Hum!
Durante toda a semana, tínhamos visto indícios de um festival na cidade, o qual começava justamente esta noite, como se celebrasse minha partida. Yibo e eu decidimos sair para jantar, desta vez em um restaurante muito mais chique do que aqueles em que havíamos comido até então. Descobri que possuíamos muitos gostos parecidos. Eu adorava me produzir de vez em quando, mas, em geral, preferia lugares menores e despretensiosos, assim como ele. Portanto, me produzir, ir a um restaurante mais sofisticado e depois dar uma passada no festival tinha um sabor especial. Estava excitado por aquela noite – em mais de um sentido.
Dizem que, quando um soldado perde uma perna em batalha, às vezes, de madrugada, ele ainda sente fisgadas nessa perna – dor fantasma, assim a chamam. Pois bem: eu havia perdido meu O em batalha – a batalha de He Peng, a metralhadora maldita – e ainda sentia as sequelas. E, por sequelas, quero dizer nadica de nada. Todavia, existia luz no fim do túnel. Sentira fisgadas do O fantasma durante toda a semana e estava ansioso pelo seu retorno nesta noite. O retorno do O. Naturalmente, em minha cabeça, esse era o título de um filme de ação – mas, sério, se era para ele voltar, eu capitalizaria em cima de qualquer coisa. Qualquer coisa.
Porque hoje, fãs do esporte, eu ia me dar bem. Sendo curto e grosso: eu estava mais do que pronto para a Pemba do Yibo.
                                                   ********
Fui até a cozinha para pegar uma tacinha de vinho e esperar Yibo. Enquanto servia o espumante, avistei -o no terraço, olhando o mar. Sorri ao reparar que vestia uma camisa de linho branco. Formaríamos um par de vasos… Uma calça cáqui completava seu visual. Yibo se virou quando eu já saía para encontrá-lo; meus pès clicaram através da pedra enquanto eu bebia meu vinho, e ele se recostou no parapeito de ferro forjado. Como fotógrafo, Yibo possuía plena consciência do imaginário que criava, tive certeza disso. Sempre que se inclinava, ele exsudava sexo. Só torci para não cair… Exsudação sexual podia ser escorregadia.
Ofereci-lhe meu vinho, e ele me deixou levar o copo a seus lábios. Sorveu-o devagar, seus olhos nos meus. Assim que afastei a taça, enganchou um braço em minha cintura, me puxou e me beijou profundamente, o gosto do vinho ainda forte em sua língua.
– Você está… muito – ele disse e afastou os lábios para beijar a pele bem embaixo de minha orelha, sua pele da mandibula me pinicando do jeito mais fantástico.
– Muito? – perguntei, jogando a cabeça para trás, encorajando tudo o que ele estava fazendo.
– Muito, muito gostoso – Yibo sussurrou e roçou os dentes em meu pescoço, o suficiente apenas para que eu os sentisse.
– Uau – foi tudo o que consegui dizer enquanto envolvia seu pescoço com meus braços e mergulhava em seu abraço.
O sol começava a se pôr, jogando um brilho cálido sobre tudo, transformando a terracota em escarlate e laranja, revestindo-nos de fogo. Meus olhos foram atraídos para o azul fresco do mar que se quebrava nos rochedos, e saboreei em minha língua o sal que impregnava o ar. Me agarrei a Yibo e me permiti sentir e viver todas as coisas. Seu corpo firme e quente contra o meu, seu cabelo desarrumado em meu rosto, o calor do ferro forjado em meus quadris, o frenesi de cada célula do meu corpo se curvando para este homem e para o prazer que ele certamente me daria.

Amor entre as paredes ( pt UmOnde histórias criam vida. Descubra agora