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CAPÍTULO DOZE
– De quem é este pé?
– É meu, Neil. Para de esfregar.
– Cara! Para de roçar o pé na minha canela, Ryan!
– É você que está segurando meu pé!
Ryan e Neil tentaram parecer indiferentes ao fim do esfrega-esfrega sob a água borbulhante. Abri um sorriso quando meu olhar cruzou com o de Yibo, do outro lado da jacuzzi, e ele sorriu de volta.
– Quer outro? – sussurrou, acenando para o meu copo vazio.
– Já bebi o bastante por hoje, não acha? – também sussurrei, enquanto nossos amigos cacarejavam à nossa volta.
– Pensei que você fosse o garoto que sempre quer mais. – Seu sorrisinho insolente retornou.
Olhei para ele: a imagem de Yibo na jacuzzi que havia ocupado minha mente nas últimas semanas empalidecia em comparação com a coisa real. Braços fortes estendidos ao longo da borda, cabelo molhado e artisticamente jogado para trás. Vê-lo molhado e seminu na minha cozinha tinha sido atraente, mas não era nada perto de tê-lo emoldurado pelas tochas, no meio de toda aquela excitação.
Yibo era agora o homem mais singularmente lindo que eu já tinha visto. E estava tentando me embebedar. Cérebro já se achava um pouco confuso. Coração já cantarolava Etta James.
– Você está tentando me embebedar? – perguntei e soltei um risinho bobo enquanto afastava o copo, decidido a não beber mais álcool.
– Não. Não tenho interesse nenhum em um Ômega do Baby-Doll toda piegas.
Espirrei água em sua direção, e ele sorriu. Nossos amigos haviam sossegado e agora nos espiavam com indisfarçável interesse.
Assim que chegamos, Yibo e eu pegamos nossas bebidas, e lhe apresentei o resto da casa. Deixei minhas coisas na entrada, já que não sabia como seria a distribuição dos quartos. Quando retornamos ao pátio, vimos que Sophia e Neil tinham se juntado a Ryan e Mimi Pinguça na jacuzzi. Um pulo na casa da piscina me deixara só com um short verde e um sorriso enquanto me aproximava dos cinco. Yibo já havia pulado na banheira, e eu o observei me observar. Enquanto deslizava para dentro da água morna, suguei meu coquetel diante do olhar do meu vizinho, molhado e de shorts. Sophia teve que me cutucar para parar com aquela encaração.
Agora, estávamos exatamente no meio de uma sopa erótica, borbulhando com dois pares de amantes incompatíveis e mais feromônios do que dávamos conta.
Se eu queria outro coquetel? Não importava. Não podia arriscar.
Precisei sacudir a cabeça para me recompor enquanto examinava o restante do grupo. Em um canto, Mimi, já completamente excitada, chutava Neil conforme balançava os pés para frente e para trás sob a água. Ele a tolerava como um irmão mais velho tolera a caçula. Na outra extremidade, Sophia e Ryan se acotovelavam; ela coçava as costas dele e falava sem parar com Neil sobre a formação inicial ou sobre a linha de defesa do 49ers ou sobre alguma coisa relacionada a futebol americano – enfim, sobre alguma coisa chata.
– E aí, quais são os planos pro fim de semana? – perguntei, me concentrando no grupo como um todo, e não nos olhos âmbar  que me encaravam. Malditos olhos! Seriam o meu fim.
– Estávamos pensando em fazer uma trilha amanhã. Quem topa? – Ryan perguntou.
Sophia balançou a cabeça.
– Estou fora. Não vou fazer trilha de jeito nenhum.
– Por que não? – Neil indagou.
Yibo e eu trocamos um olhar rápido diante do súbito interesse de Neil.
– Não posso. Da última vez, caí que nem merda e torci o pulso. Não posso correr o risco. – Sophia gesticulou as mãos para nos lembrar de que ganhava a vida com elas. Violoncelista que era, tirava o corpo fora de vez em quando.
– E você, Baixinha? – Neil perguntou a Mimi.
– Hum, não, Mimi não faz trilha – ela respondeu e ajustou seu quase inexistente biquíni preto. Seu namorado atual  não reparou, mas os olhos de Ryan ficaram do tamanho de tortas quando Mimi quase pagou peitinho.
– Você também vai amarelar? – Yibo me questionou.
– De jeito nenhum. Vou fazer trilha com os alfas amanhã! – Abri um sorrisão, e Sophia e Mimi reviraram os olhos. Elas nunca entenderam o meu gosto por “atividades montanhescas de macho alfa”, como as chamavam.
– Boa – Yibo murmurou, e, por um segundo, eu calculei a distância entre a minha boca e a sua.
De repente, estávamos todos quietos, todos perdidos nos próprios pensamentos. Lembrei dos planos de abrir os olhos daqueles quatro e fui com tudo:
– Ryan, você sabia que a nossa Mimi aqui faz doações pra sua instituição todo ano? – perguntei, surpreendendo os dois.
– Sério, Mimi?
– Sim, todo ano – ela disse. – Já vi do que a inclusão digital é capaz, principalmente no caso de crianças que não teriam essa oportunidade de outra forma. – Mimi olhou para ele com timidez, e ambos deram início a uma conversa sobre o processo que Ryan usava para determinar quais escolas receberiam o benefício a cada ano.
Yibo e eu trocamos um sorriso. Olhando de soslaio para Sophia, ele lançou a segunda onda de ataque:
– Ei, Neil, quantos lugares você descolou pra sinfonia deste ano?
Neil corou.
– Você comprou ingressos? – Sophia indagou.
– Ingressos pra temporada – Yibo acrescentou enquanto Neil fazia que sim com a cabeça. Sophia e Neil então se envolveram numa discussão sobre as melhores cadeiras, e  Yibo levantou um pé para fora da água.
– Ei, não me deixe no vácuo.
– O quê?
– Toca aqui. Não alcanço sua mão – ele insistiu, mexendo o pé para frente e para trás. Ri e deslizei no lugar, esticando um pé e tocando o seu levemente.
– Que nojo, seu enrugado! – Ele gargalhou.
– Você vai ver o enrugado – respondi, afundando meu pé e jogando água em Yibo.
***

– Eu não poderia estar mais confortável. Sério. Literalmente, não estaria mais aconchegado nem se estivesse dentro de um marshmallow – murmurei com a língua forrada de Baileys e café. Tinha me enrolado no topo de umas cinquenta almofadas, perto da lareira – cuja abertura possuía quase três metros e a chaminé, quase três andares.
Talhada em pedra da região, era descomunal e funcionava como ponto focal da casa, com quartos irradiando de seu centro. O calor que proporcionava era igualmente descomunal.
Estávamos gelados até os ossos quando finalmente entramos. Tínhamos nos aquecido demais na jacuzzi, então, um a um, saímos e ficamos no pátio para nos refrescar. Quando nos demos conta do quanto a temperatura havia caído, já estávamos tremendo e bufando fumaça e querendo relaxar perto do fogo. Como ainda precisávamos dividir os quartos – o que não demorei a descobrir –, eu, Mimi e Sophia nos esgueiramos até o quarto principal para colocarmos o pijama e depois nos reunimos com os rapazes, agora descontraidamente vestidos com camiseta e calça de dormir. Preparamos uma garrafa de café, e eu fatiei um pão adicional de cranberry e laranja que sabiamente escondera de Yibo. Uma dose ou duas de Baileys na xícara, e logo nos achávamos relaxando perto da lareira.
Yibo tinha se recostado junto à lareira e ajeitado a pilha de almofadas ao seu lado. Quando mergulhei nelas, algumas penas rodopiaram sobre nossas cabeças.
Descobrimos que cada menino tinha uma maneira de acender o fogo – lenha, jornal, lenha e jornal – antes que Sophia enfiasse a cabeça lá em cima e informasse que a chaminé continuava fechada. Ela voltou com alguns prendedores de madeira, e então os homens delegaram a tarefa a Ryan, pelo simples fato de que era ele quem tinha os fósforos na mão. Em poucos minutos, um grande fogo resplandecia, e os seis nos encontrávamos sentados em frente à lareira, sonolentos e satisfeitos.
Respirei fundo. Nada se compara ao cheiro do fogo verdadeiro – não uma lareira a gás, não um punhado de velas, mas a boa e velha lareira, com estalidos e crepitações e zunidos engraçadinhos quando o vapor se solta da madeira.
– Então, Xiao Zhan , já pediu ao Yibo pra te ensinar windsurf? – Mimi perguntou de repente, empoleirada no braço do sofá. Tínhamos ficado em silêncio por um tempo, entorpecidos, quase dormindo, e me sobressaltei quando ela falou.
– Como? Quer dizer… Como? – indaguei, me endireitando nas almofadas e regressando ao presente.
– Bem, todos os rapazes aqui praticam windsurf. Você quer aprender, e aposto que Yibo te ensinaria, não é mesmo, Yibo? – Ela riu, bebeu as últimas gotas de seu café e escorregou do braço do sofá para o colo estrategicamente posicionado de Ryan. Os dois trocaram um sorriso antes de perceberem o que estavam fazendo, e, brincando, Ryan a jogou do seu colo para o de Neil. Este, que não havia despertado com a pergunta dela a mim, agora tinha os olhos arregalados e o colo cheio de uma Ardilosa Mimi.
– Você quer aprender windsurf? – Yibo perguntou, virando-se para minha pilha de almofadas.
– Pra falar a verdade, sim! Sempre quis experimentar.
– É difícil, não vou mentir. Mas vale muito a pena. – Ele sorriu, e Ryan concordou com a cabeça.
– Claro que Yibo te ensina. Ele vai adorar – Ryan falou, ganhando uma piscadinha de Mimi e uma careta minha.
– Podemos combinar alguma coisa quando voltarmos à cidade – sugeri.
– Chega de conversa. Esta menina aqui está pregada – Sophia anunciou. – Onde a gente vai dormir? – Ela pousou a cabeça no braço da poltrona em que estava aninhada.
– Bem, quantos quartos são? – Yibo perguntou, enquanto eu me sentava e bocejava.
– São quatro quartos, façam suas escolhas – disse Sophia, que em seguida virou uma garrafa inteira de água. Esperta.
– Vamos fazer alfa-omega, menino-menina? – indaguei, rindo da cara de espanto de Yibo.
– Pode ser, claro – Mimi concordou e olhou um tanto nervosamente para Neil.
Sufoquei uma risada ao ver Sophia e Ryan trocarem um olhar parecido. Yibo também reparou.
– Sim, claro! Eu e Xiao Zhan  não vamos atrapalhar os pombinhos! Mimi e Neil, escolham um quarto. Sophia e Ryan, escolham outro. Xiao Zhan  e eu vamos ficar nos que sobrarem. Perfeito. Certo, Xiao Zhan ?
– Pra mim, está ótimo. Só vou lavar estas xícaras. Já pra cama, vocês! Vamos! Vamos! – exclamei. Yibo e eu nos apressamos em recolher a louça, espiando nossos quatro amigos, que olhavam por cima do ombro.
Parecia que eles estavam prestes a entrar em um mata-mata.
– Nossa, espero muito que isso dê certo… pro meu próprio bem – murmurei para Yibo enquanto observávamos os dois casais se separarem diante dos respectivos quartos.
– Por que pro seu próprio bem? – ele sussurrou e aproximou o rosto do meu, ficando a centímetros.
– Porque, neste exato momento, sabe o que está acontecendo atrás daquelas portas? Sophia e Mimi estão planejando a melhor maneira de me fazer sofrer. Sofrer fisicamente mesmo – falei, me afastando para enxaguar a última xícara de café e depois colocá-la no lava-louça.
Yibo acrescentou o detergente, ligou a máquina e se dirigiu à sala para apagar o fogo da lareira. Conforme apagávamos as luzes da casa, discutíamos a trilha que faríamos amanhã.
– Você não vai me atrasar, né? – ele provocou.
Empurrei-o na parede.
– Até parece! Você vai comer a minha poeira, amigo! – falei, pegando minha mochila e me dirigindo aos quartos.
– Veremos, Ômega do Baby-Doll. Por falar nisso, tem alguma coisa sexy aí pra mim? – Ele enfiou a mão na minha mochila enquanto me seguia pelo corredor.
– Tira a patinha! Não tem nada pra você aqui e em lugar nenhum. – Parei em frente ao quarto que iria ocupar.
Ele passou por mim rumo ao quarto ao lado.
– Veja só! Dividindo uma parede mais uma vez! – Sorriso insolente.
– Bem, eu sei que você está sozinho, então acho bom não ouvir nenhuma batida – adverti, abrindo minha porta.
– Não, sem batida. Boa noite, Xiao Zhan  – ele disse suavemente e começou a entrar em seu quarto.
– Boa noite, Yibo – respondi, dando um tchauzinho com a ponta dos dedos e então fechando minha porta. Coloquei a mochila em cima da cama e sorri.
              ***

– Vamos, rapazes, falta pouco! – gritei quando a última etapa da trilha se descortinou. Já caminhávamos havia umas duas horas e, se no começo todo mundo tinha se mantido junto, nos últimos trinta minutos, Ryan diminuíra muito o passo, e Neil ficara para trás com ele. Yibo e eu mantivéramos o ritmo e agora estávamos próximos do cume.
Eu tinha sido bem -sucedido em evitar ficar sozinho com Mimi ou Sophia. A olheira e o rosto cansado dos quatro indicavam que nenhum deles dormira direito – ao contrário de Yibo e de mim.
Depois do café da manhã, me troquei bem rápido e esperei os meninos do lado de fora da casa e, assim, escapei do pelotão de fuzilamento. Sabia que estaria ferrado quando voltasse; ainda assim, estava curioso para saber como Mimi e Sophia explodiriam sem admitir que dormir com os caras com quem vinham saindo não era, de fato, o que queriam.
Como dissera Yibo: “Às coisas que estão bem na nossa cara”. Resumindo, a noite prometia.
Galguei a última rocha e cheguei ao topo. Yibo estava poucos metros atrás de mim, e pude ouvi-lo se aproximar. Respirei fundo, o ar límpido pinicando meus pulmões. Fazia frio, mas o esforço me mantinha aquecido. Eu não saía da cidade havia algum tempo, e meu corpo tinha sentido falta de caminhadas como aquela. Minhas pernas queimavam, meu nariz escorria, eu suava como um porco – e não conseguia lembrar a última vez em que me sentira tão bem. Ri alto ao contemplar o lago abaixo e avistei falcões planando no céu. O azul acerado da água, o verde profundo dos bosques, os brancos e beges puros das rochas: era deslumbrante.
E então havia meu noto tom favorito. Yibo surgiu ao meu lado, respirando fundo como eu. Abriu amplamente os braços e acolheu o vale lá embaixo. Tendo se despido de algumas camadas durante a subida, vestia agora uma camiseta branca e uma camisa de flanela amarrada na cintura; calça cáqui, bota de caminhada e um largo sorriso completavam o sonho molhado que eu contemplava em vez de admirar as maravilhas da natureza que nos rodeavam. E aqueles olhos âmbar  – pude vê-los tirando fotos enquanto Yibo olhava em volta.
– Lindo. – Suspirei, e ele se virou para mim. Fui pego no flagra. – Digo, a paisagem… não é linda? – gaguejei, fazendo um gesto amplo.
Ele parecia saber exatamente o que tinha acontecido; senti o sangue tomar minhas bochechas. Já estava um pouco exausto por conta da subida; desejei estar suficientemente corada também.
– Sim, é lindo mesmo. Muito lindo. – Ele sorriu, e nos olhamos nos olhos. Yibo deu alguns passos mais para perto de mim, e senti o ar se deslocar. Mordi o lábio. Yibo passou a mão pelo cabelo. Sorrimos. Não houve palavras, mas mesmo os animais do bosque sabiam que algo estava prestes a acontecer e sabiamente permaneceram em suas tocas.
– Oi – ele disse baixinho.
– Oi.
– Oi – falou novamente e deu um último passo em minha direção. Mais um pouquinho, e ficaria em cima de mim. Não sabia o quanto.
– Oi – respondi, inclinando a cabeça para o lado, deixando claro que ele podia ter dado aquele último passo.
Yibo se inclinou para mim, um pouquinho de nada, mas quase como se fosse…
– Wang! – trovejou lá de baixo, e nós dois recuamos. – Wang ! – ecoou de novo, e reconheci a voz de Ryan sob o grito de homem da selva.
– Ryan – ambos dissemos. E sorrimos.
Agora que o vodu já não estava tão concentrado, eu conseguia ver as coisas com clareza outra vez. Repeti a palavra harém várias vezes em minha mente.
– Aqui em cima! – bradou Yibo, e Ryan surgiu após contornar uma curva.
– Oi, gente! Neil já era, kaput, jogou a toalha. Vocês já vão descer? – Ryan perguntou, pulando da rocha para a trilha e da trilha para a rocha com a destreza de uma cabra-montês. Nem pareceu se cansar.
Hummmm…
– Sim, já estávamos indo procurar vocês – falei, esticando uma perna para trás para um rápido alongamento.
– Ele amarelou mesmo? Tão perto do final? – Yibo indagou, apontando a trilha com a cabeça.
– Está deitado na trilha como se fosse o dono do lugar e se recusa a subir mais um centímetro. – Ryan riu, dando um pulo para trás e gritando para avisar a Neil que estávamos a caminho.
Yibo me deteve antes que eu começasse a descer.
– Tem certeza que não quer ficar mais um pouco? A gente se esforçou tanto pra chegar aqui.
Senti o calor da sua mão no meu ombro e desejei que meus hormônios fugissem para o outro lado do meu corpo.
– Sim, tenho certeza. É melhor voltarmos. Parece que uma tempestade vem aí. – Acenei para o horizonte, onde um grupo de nuvens negras começava a se acumular. Os olhos de Yibo seguiram os meus, e ele franziu a testa.
– É, tem razão. Não queremos ser pegos aqui em cima, totalmente sozinhos – murmurou.
– Além disso, se não corrermos, não vamos poder tirar sarro de Neil por ter sido derrotado por um ômega. – Abri um largo sorriso, e Yibo gargalhou.
– Não queremos perder isso! Vamos.
E descemos a trilha.
– Então, como foi a suruba, Xiao Zhan ? – Sophia cantarolou docemente ao entrar na cozinha, onde matávamos a sede depois da caminhada. Os três homens se engasgaram; eu continuei bebendo a água como uma dama.
– Fantástica, obrigado. Destaque para Neil. Praticamente tivemos que carregá-lo montanha abaixo depois do que fiz com ele – respondi com a mesma doçura.
Os rapazes se recompuseram, porém Neil não conseguia parar de olhar para o tomara-que-caia apertadíssimo de Sophia. Seu pretendente atual? Brincando de “Onde está Mimi”, a cabeça girando tão depressa, que o confundi com uma coruja. Balancei a cabeça e pus fim a seu sofrimento:
– Cadê a Mimi, hein?
– Banho. Algo de que vocês quatro estão claramente precisando. Está gelado lá fora, como conseguiram suar tanto? – Sophia perguntou, enrugando o nariz.
– Não é fácil subir aquela montanha. Fazer trilha é mais difícil do que você pensa.
– Neil suspirou, e o restante de nós sabiamente não disse um pio sobre o ataque cardíaco que ele quase teve a quinze metros do topo.
Peguei uma maçã e me dirigi ao meu quarto, com Sophia no meu rabo, como era de se esperar. Abri um sorrisinho e pensei em pegar leve com ela – só perguntar sobre o assunto, sem forçar a barra.
– Esses shorts ficam horríveis em você, Xiao Zhan  – ela afirmou no caminho para o quarto.
Não. Nada de pegar leve.
– Obrigado, querida. Eu deveria ter separado um pouco de ração pra você quando fiz a malinha do Clive? – alfinetei.
Ela desabou na minha cama e se enroscou em uma das almofadas gigantes.
– Aliás, cadê ele? Quem está tomando conta?
– Ficou com tio Euan e tio Antonio. A uma hora destas, meu gato está refestelado numa cama de seda, ganhando rolinhos de atum na boca. Um vidão.
– Esse sabe viver bem, isso é inegável – disse Sophia, o rosto sendo brevemente encoberto enquanto procurava uma posição confortável.
– O que houve, Sophia? – perguntei, deitando ao seu lado e também me enrolando numa almofada.
– Nada, por quê?
– Você está deprimente.
– Ah, só não dormi bem, acho.
– Ah, é? O sr. Ryan te manteve acordada até tarde, hum? Realmente, ele parecia bastante cansado durante a caminhada… – Cutuquei-a com o cotovelo.
– Não, não, não foi nada disso… Não sei. Não consegui relaxar ontem à noite.
Normalmente, durmo superbem aqui, mas ontem tudo estava tão sossegado, que eu… – Ela deu um soquinho na almofada, dando-lhe uma nova forma.
– Entendi. Bem, eu dormi divinamente! – Eu ri, e ela tentou dar uma nova forma à minha cabeça.
– Está a fim de encher a cara hoje? – Sophia perguntou quando nos acalmamos.
– Claro que sim! E você?
– Sim, senhor!
Ouvimos uma batida na porta, e Mimi introduziu sua cabeça enrolada numa toalha.
– Estamos pensando em encher a cara hoje. Topam? – Mimi gritou. Embora não houvesse álcool correndo por suas veias ainda, o volume Mimi Bêbada resolveu dar as caras.
– Com certeza – respondeu Ryan, acenando uma saudação esquisita entrando no quarto, que nos fez rir ainda mais.
– Agora, desapareçam, rapazes. É o momento dos ômegas – Sophia falou, levantando um pouco meu robe e dando uma palmada na minha bunda. Guinchei e tentei me cobrir, mas já era tarde demais.
– Cara. Estampa de oncinha – Neil sussurrou para Yibo naquele sussurro mais alto do que uma fala normal.
– Eu sei, eu sei – Yibo respondeu e passou a mão pelo rosto, como se estivesse tentando remover fisicamente a imagem de seu cérebro.
Yibo gostava de estampas de animais. Devidamente anotado.
– Vamos lá. Os ômegas pediram um tempo para eles, vamos obedecer. – Ryan os arrastou para o corredor e fechou a porta depois de lançar uma piscadinha que deixou o pescoço de Mimi cor de carmim. Sophia examinou suas unhas.
Definitivamente, a noite prometia.

– Onde você aprendeu a cozinhar assim, Xiao Zhan? Céus, está delicioso! – Neil exclamou ao pegar sua terceira porção de paella da travessa gigante, no centro da mesa.
– Obrigado, Neil! – Dei risada enquanto ele cavava outra pilha de arroz.
Yibo acenou em direção à minha taça de vinho, e eu acenei de volta.
Tive a ideia de fazer uma rápida versão de paella ao ver todos aqueles maravilhosos frutos do mar no mercado local, e, quando me deparei com as promoções de rosé e espumantes espanhóis, a coisa ficou decidida. Começamos pelo espumante durante os preparativos – que combinou perfeitamente com o manchego que eu escolhera, assim como com as azeitonas temperadas. Mais uma vez, Yibo foi meu ajudante, e nos movemos em sincronia pela cozinha. Os outros quatro se instalaram em alguns banquinhos, alguém pôs na vitrola um velho disco de Otis Redding, e mãos à obra.
O vinho fluía tão livremente quanto a conversa, e pensei que aquele grupo tinha potencial para ser unha e carne. Interesses semelhantes, senso de humor semelhante, mas todo o resto diferente o bastante para manter a animação.
Falando em animação, à medida que o álcool subia, as barreiras caíam. Mimi e Sophia já mal se davam ao trabalho de esconder seus interesses extraviados. Não que os rapazes se importassem. De fato, até as encorajaram. Ryan examinava o pé de Mimi por causa daquilo que, segundo ela, era uma picada de aranha. O fato de ele estar fazendo isso havia vários minutos e de o suposto exame incluir uma massagem não escapou à minha atenção, nem à de Yibo.
Ele sorriu e fez sinal para que eu chegasse mais perto. Deslizei pelo balcão e inclinei minha cabeça em direção à sua. Yibo aproximou sua boca de minha orelha. Respirei fundo; vinho, calor e sexo fluíram pelas minhas narinas e invadiram meu cérebro, tornando tudo confuso.
– Quanto tempo até que se beijem? – sussurrou, a boca tão próxima, que eu quase senti seus lábios roçarem meu ouvido.
– Como? – perguntei e comecei a rir como faço quando bebo além da conta e uma delícia além da conta paira diante de mim.
– Quanto tempo? Você sabe, antes que eles beijem a pessoa errada? – Yibo falou, e me virei para olhá-lo nos olhos.
Aqueles olhos. Estavam me chamando, aqueles olhos.
– Você quer dizer a pessoa certa, né? – sussurrei.
– É, a pessoa certa. – Ele se inclinou um pouco mais sobre o balcão.
– Sei lá, mas, se esse beijo não sair logo, eu vou explodir – admiti, sabendo muito bem que não estava mais falando de nossos amigos.
– Ah, eu não quero que você exploda. – Yibo estava a poucos centímetros do meu rosto.
Harém. Harém. Harém. Repeti o mantra incessantemente.
– Quero ir pra jacuzzi.
Aquele choramingo me afastou do vodu e me devolveu à cozinha. Onde havia pessoas presentes.
– Quero ir pra jacuzzi – ouvi de novo e me virei em direção a Mimi. Imagine minha surpresa quando percebi que a chorona era Sophia, agora pendurada em Neil como uma mochila.
– Ok, vá pra jacuzzi. Ninguém está te segurando – falei, deslizando para longe de Yibo e retornando a meu prato para começar a separar as ervilhas da lagosta. Estava empanturrado, mas jamais deixaria lagosta no prato. Tenho princípios, afinal de contas.
– Você precisa vir também – Sophia choramingou novamente, e minha ficha caiu: ela estava bêbada. E Sophia ficava pegajosa quando estava bêbada.
– Vai lá. Eu dou uma geral na cozinha e depois encontro vocês – Yibo disse, pegando meu prato e fazendo menção de se levantar.
– Ei, ei, ei! Ainda tem lagosta, cara! – protestei, agarrando meu garfo.
– Toma. Eu nunca me meteria entre um homem e sua lagosta. – Yibo sorriu e me devolveu o garfo. Mordi e me levantei. Estava um pouquinho mais bêbado do que pensei, o que ficou óbvio quando a gravidade começou a me desafiar.
– Opa! Você está bem? – ele perguntou ao me amparar, e Sophia se dirigiu ao quarto.
– Estou bem, estou bem – respondi, firmando meus pés no chão e vencendo aquela batalha.
– Talvez você devesse ir mais devagar… – Yibo sugeriu, pegando minha taça.
– Ah, relaxa, é uma festa – gritei e comecei a rir. De repente, tudo parecia engraçado.
– Ok, divirta-se. – Ele sorriu, e eu segui para o quarto, a fim de vestir o short.

        ***


– Xiao Zhan  é o próximo. Verdade ou desafio – Mimi gritou, provando mais uma vez que Mimi Bêbada só possuía um nível de volume.
– Verdade – berrei de volta, sem querer jogando água em Sophia ao me virar para pegar minha taça. Havíamos aberto a última garrafa de espumante e a estávamos atacando. E, conforme ela nos atacava de volta, o jogo se tornava mais e mais perigoso. O céu tremeluziu com relâmpagos longínquos, e baixos estrondos de trovões soaram por cima das risadas e da água.
Minutos após termos nos instalado na jacuzzi, Neil sugeriu que jogássemos Verdade ou Desafio, e Sophia concordou na hora. A princípio, debochei da sugestão; disse que não participaria de jeito nenhum de uma brincadeira tão infantil. No entanto, quando Yibo insinuou que eu estava pipocando, o álcool mostrou sua faceta mais feia e proclamou:

Amor entre as paredes ( pt UmOnde histórias criam vida. Descubra agora