Sete

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Alfonso nunca dirigiu tão rápido como no final daquele dia. Pedira uma folga a Anahí para resolver alguns problemas. Ela não vira problema, uma vez que ele era sempre tão solicito e prestativo, além do mais ela não iria mesmo muito longe com a entorse que tinha, e Maite iria até lá. As duas sem duvidas veriam filmes românticos e comeriam brigadeiro.

Estacionou o carro de qualquer maneira, em frente ao enorme prédio num bairro mais retirado, cruzou a catraca da portaria, colando a digital pelo leitor.

- Boa noite Senhor Herrera - o simpático porteiro lhe sorriu, mas Alfonso mal o cumprimentou com a cabeça. Estava furioso demais pra gentilezas.

O elevador demorou uma eternidade, mesmo após ele esmurrar o botão de subida. Irritado, subiu os 16 lances de escada que dava na cobertura duplex dele. Dulce que bebia uma taça de espumante distraída no sofá de couro italiano, assustou-se quando a porta da sala fora aberta com força e sem nenhuma delicadeza.

- Mas que droga! - Alfonso esmurrou o aparador do pequeno flat, no centro da cidade - O que acha que está fazendo? - chacoalhou a ruiva, que tinha uma cara sarcástica pelos ombros.

- Gostou da surpresa? - ela riu, largando a taça por ali - Damian pensou que talvez você precisasse de reforços - ela massageou os ombros dele, em tremenda ironia.

- E acha que indo até lá, com esse comportamento, vai ajudar em algo? - ele pediu, servindo um uísque e o bebendo sem gelo mesmo - Você só vai me causar problemas Dulce.

Dulce suspirou pesadamente. Sua relação com Alfonso estava cada dia mais difícil.

- Você tinha que ver a cara que fez ao me ver - ela disse despretenciosa - Estava petrificado. O que ela tem de tão especial afinal, pra você estar tão empenhado nesse caso? - arqueou as sobrancelhas.

- Isso é coisa minha - a cortou, dando outro gole na bebida - Não há nada que te interesse nessa história.

- A mim talvez não, mas a Damian sim, porque ele não iria dispor seus dois melhores agentes para dar fim em uma menininha metida de dezenove anos, convenhamos - tornou a agarrar a taça - Porque Anahí é tão importante Alfonso? Vai ser sua nova galinha dos ovos de ouro?

- Porque não pra de dizer tantas besteiras? - rolou os olhos, exasperado - Já disse que essa história não interessa a você. Aliás você nem devia estar aqui. Faça suas malas, vou te levar de volta pra sua casa - frisou bem a penúltima palavra.

Dulce riu, cruzando os braços sobre o peito. Os seios quase pulando da blusa decotada que vestia.

- Qual parte de "foi Damian que me mandou" você não entendeu? Além disso acha que vou ir embora apenas porque você quer? - tornou a rir - Aí Alfonso, até parece que você não me conhece! - balançou a cabeça, ainda risonha - Sabe, já que você não vai me contar, eu vou descobrir sozinha o porque Anahí tem tanta importância. Até que ela é legal sabe - provocou - Acho que podemos ser grandes amigas, quem sabe eu não resolva esse problema antes de você.

Alfonso jogou o copo contra a parede, o quebrando em milhares de pedaços. Dulce de assustaria caso não o conhecesse a mais de cinco anos. Já estava acostumada com esses acessos de raiva, e ela adorava provocá-lo, pois geralmente aquela discussão toda sempre acabava na cama. Mas hoje, ela parecia ter cutucado uma imensa ferida de Alfonso, e aquilo a estava intrigando profundamente. Não teria a noite de sexo que desejava, mas sem dúvida o havia deixado furioso.

- Nunca - ele urrou, segurando-a outra vez - Nunca vai encostar um dedo nela. Eu quero resolver isso pessoalmente, e se você se meter nisso acabo com você ouviu? Eu não estou brincando Dulce.

Dulce percebeu. Realmente nunca havia visto Alfonso daquela forma. Os dois trabalhavam juntos a mais ou menos cinco anos. Alfonso havia ganhado muito dinheiro. Dulce ainda desconhecia a fonte de tudo isso, porém desconfiava que boa parte era dos serviços que ele prestava a Pedro Damian e sua agência secreta de encomenda de almas, como ela adorava brincar. Hoje, após muito estudo e investimento ele tinha uma empresa de tecnologia em Nova York que prestava serviço a empresas de grande porte. Faturava milhões por ano. Mas isso era um segredo que só ela sabia. Alfonso não revelava a ninguém sua outra face. Dulce não sabia o que de tão grave o faria deixar tudo e voltar para o Nova Jersey para um serviço tão simples que ela mesma poderia resolver.

O que Dulce não sabia é que Alfonso tinha infinitos motivos. Quando Damian ligou para ele meses atrás, pedindo informações e lhe falando que alguém estava interessado em destruir os Portilla, o sobrenome estalou na sua cabeça como um fogo de artifício no céu escuro. Ele odiava os Portilla, e não se resumia única e exclusivamente a maneira esnobe como Anahí sempre o tratou no colegial, e sim pois fora Henrique Portilla e sua empresa Império quem causará a morte de seu pai em uma mina de exploração anos atrás.

Alfonso ainda era um jovem adolescente quando a notícia da morte do pai o atingira. O pai sempre trabalhara com muito esmero para lhe pagar os custos da escola, já que as mensalidades Alfonso pagava com ajuda de uma bolsa de estudos. O pai de Alfonso, Armando morrera numa explosão indevida de uma mina que já havia sido interditada pelo engenheiro da Império.

Além da morte precoce do pai, deixando Alfonso e sua mãe completamente desamparados, Alexandre Uckermann, o advogado de Henrique na época, lhes oferecera uma mísera indenização, além de tratar-lhes com o maior descaso do mundo, como se fossem dois malditos miseráveis.

Neste dia, Alfonso jurou que acabaria com os dois e com tudo que tivesse relação a eles. Seria Henrique, a filha e por último os Uckermann. Ele já havia até mesmo esquecido um pouco dessa história quando Damian lhe ligou, reacendendo a chama da vingança em sua mente.

- Você me entendeu? - Dulce viu outra vez a fúria consumindo seus olhos. Tinha algo por trás daquele olhar que ela não conseguiu decifrar, mas era como se falar da morte de Anahí o incomodasse. Ele não estava gostando dela estava?

- Cala a boca, você está cego Alfonso, perdidamente cego como um imenso idiota - a ruiva se soltou, alisando os braços que doíam pela estupidez com que ele a segurara.

- Do que é que você está falando? - Alfonso apertou o braço dela com força, afim de recuperar as rédeas da situação.

- Você está se apaixonando por ela, será que não percebe o quanto está jogando com a sua vida? Já esqueceu o que te trouxe de volta pra essa cidade imunda? - Dulce cuspiu as verdades a plenos pulmões.

- Você não sabe de nada - Alfonso disse a jogando sobre o sofá - Você é tão estupida Dulce.

- Quanto tempo vai demorar para acabar logo com isso? - o encarou alisando os próprios punhos.

- Vai ser em breve - alisou os cabelos enquanto os olhos fitavam as mãos sob o colo, com a cabeça baixa.

- Escuta aqui! - ergueu o rosto dele com a ponta das unhas longas e negras - Ou você dá cabo dessa história, ou eu mesma vou fazer com que Anahí chegue mais cedo ao quinto dos infernos, fui clara o suficiente?

- Você vai embora daquela casa! Até sexta-feira eu quero você fora de lá - ele ordenou, servindo outra bebida.

- Anahí acha que você é a única pessoa que tenho - deu de ombros, sarcástica - Não posso simplesmente ir embora.

- Você criou essa situação, você vai resolvê-la - apontou ela com o copo - Vai inventar que arrumou um emprego, que vai dividir apartamento com a tia da vizinha, da comadre da sua avó, mas você vai embora. Eu não quero você lá. Aliás, eu quero a chave do meu apartamento que você arranjou sabe-se lá com quem.

- Com Damian, é óbvio. Vai mesmo me expulsar? - disse indignada.

- Não só vou como já estou expulsando.

Ela levantou, ajeitando a bolsa sobre o ombro, e o encarou bem de perto, segurando seu rosto entre as mãos.

- Você quem sabe Alfonso - disse por entre dentes - Você poderia ter toda minha ajuda e minha atenção, mas você prefere fazer as coisas do seu jeito - balançou a cabeça em negativa - Você sabe que nunca é uma boa ideia ser meu inimigo não é? Eu poderia ser boazinha com você, mas você prefere ir pelo caminho mais difícil - deu de ombros, indo até a porta - Espero que não se arrependa, pois não vou esquecer tão cedo da maneira como me tratou hoje, e não é nada bom me ter magoada.

E dizendo isso ela saiu, batendo a porta. Alfonso quebrou outro copo, tentando se sentir mais relaxado, em vão. Suspirou, largando o corpo sobre o sofá. Não bastasse essa confusão de sentimentos que tinha por Anahí agora tinha mais Dulce o infernizando. Parece que o jogo não estava virando a seu favor.

A HerdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora