Caro leitor,
É com o coração surpreendentemente comovido que
escrevo estas palavras. Após onze anos narrando os acontecimentos na vida da alta sociedade, esta autora está deixando de lado a sua pena.
Muito embora o desafio de Lady Danbury tenha, sem dúvida, contribuído para a aposentadoria, a culpa não pode recair (por completo) sobre os ombros da condessa. A coluna vem se tornando maçante nos últimos tempos, gerando menos satisfação em escrever e, talvez, ficando menos divertida de ler. Esta autora precisa de uma mudança. Não é algo tão difícil assim de imaginar. Onze anos é muito tempo.
E, na verdade, a recente renovação de interesse pela identidade desta autora tem se mostrado perturbadora. Amigos se viram contra amigos, irmãos contra irmãs, tudo isso numa tentativa fútil de desvendar um segredo insolúvel. Além do mais, essa brincadeira de detetive promovida pela alta sociedade está se tornando claramente perigosa. Na semana passada foi o tornozelo torcido de Lady Blackwood; esta semana a lesão, ao que parece, acometeu Hyacinth Bridgerton, que sofreu um ferimento leve na festa de sábado, realizada na residência londrina dos Riverdales. (Não escapou à atenção desta autora que lorde Riverdale venha a ser sobrinho de Lady Danbury.) A Srta. Hyacinth deve ter suspeitado de algum presente, pois se machucou ao cair para dentro da biblioteca quando a porta foi aberta, sendo que ela se encontrava com o ouvido colado à madeira.Conversas sendo escutadas atrás de portas, perseguição a entregadores... E esses são apenas os detalhes que alcançaram os ouvidos desta autora! A que ponto chegou a sociedade londrina? Esta autora pode lhe assegurar, caro leitor, que jamais ouviu atrás de porta alguma ao longo de seus onze anos de carreira. Todos os boatos desta coluna foram de proveniência legítima, sem ferramentas ou artimanhas além dos olhos e dos ouvidos.
Au revoir, Londres! Foi um prazer servi-la.CRÔNICAS DA SOCIEDADE DE LADY WHISTLEDOWN, 19 DE ABRIL DE 1824
Não foi surpresa alguma o fato de a coluna ter sido o assunto do baile Macclesfield.
- Lady Whistledown se aposentou!
- Dá para acreditar?
- O que vou ler no desjejum?
- Como vou saber o que aconteceu se eu perder uma
festa?
- Agora nunca mais saberemos quem ela é!
- Lady Whistledown se aposentou!
Uma mulher desmaiou, quase batendo a cabeça na quina
de uma mesa em seu caminho deselegante até o chão. Ao que parecia, não lera a coluna daquela manhã, ouvindo a notícia pela primeira vez bem ali, no baile. Foi reanimada com sais aromáticos, mas logo perdeu os sentidos outra vez.
- É uma fingida - murmurou Hyacinth Bridgerton para Felicity Featherington no pequeno grupo formado, além delas, pela viúva Lady Bridgerton e Penelope.
Esta última comparecera ao baile, oficialmente, como acompanhante de Felicity devido à decisão da mãe de permanecer em casa por um problema de estômago.- O primeiro desmaio foi verdadeiro - continuou Hyacinth. - Qualquer um pode ver isso pela maneira desajeitada como ela caiu. Mas isto... - Fez um movimento rápido com a mão em direção à moça no chão, numa demonstração de repulsa. - Ninguém desmaia como uma bailarina. Nem mesmo as bailarinas.
Penelope ouviu a conversa inteira, uma vez que Hyacinth se encontrava a seu lado, à esquerda. Mantendo os olhos o tempo todo na pobre mulher, que agora voltava a si agitando os cílios delicadamente enquanto alguém passava, mais uma vez, os sais aromáticos abaixo de suas narinas, Penelope murmurou:
- Você já desmaiou alguma vez?
- De forma alguma! - exclamou Hyacinth com muito orgulho. - Desmaios são para os fracos de coração e para os tolos - acrescentou. - E se Lady Whistledown ainda estivesse na ativa, podem escrever o que digo, afirmaria exatamente a mesma coisa na próxima coluna.
- Ah, meu Deus! Não há mais palavras para serem escritas - comentou Felicity, com um suspiro triste.
Lady Bridgerton concordou.
- É o fim de uma era - disse. - Sinto-me um tanto perdida sem ela.
- Bem, não faz tanto tempo assim que estamos sem ela - comentou Penelope, sem conseguir resistir. - Recebemos uma coluna esta manhã. Por que se sente perdida?
- É o princípio da coisa - retrucou Lady Bridgerton com um suspiro. - Se esta fosse uma segunda-feira como outra qualquer, eu saberia que iria receber um novo relatório na quarta-feira. Mas agora...
Felicity chegou a fungar.
- Agora estamos perdidas - completou.
Penelope virou-se para a irmã, incrédula.
- Está sendo um pouco melodramática, não?
Felicity deu de ombros exageradamente, de forma teatral. - Estou? Estou?
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Os segredos de Penélope Featherington
Literatura FemininaDa série de livros, os Bridgertons! Todos os direitos reservados a autora original - Júlia Quinn. Mudei o título para não ter perigo de exclusão!