A boa menina

34 8 2
                                    

Diante das várias coisas que tinham acontecido ultimamente, desde o momento em que a vi, até o momento em que descobri sobre o pacto de sua família, não conseguia parar de pensar no que ela havia dito, remoendo aquilo pelas últimas três noites de insônia.

“Algo está despertando aqui dentro e você não quer admitir Roberto”.

Sinto tapas atingirem minhas bochechas com força, abro os olhos e me deparo com a luz direta do sol os ferindo.

— Levanta daí, pedinte — A voz masculina irritante me faz despertar de vez.

Estou na praça, deitado no banco.

— Foi excomungado da igreja é? — Riu, sua risada alta agredindo meus ouvidos com força.

— Diferente de você, eu tenho caráter — falei, levantando do banco, sentindo a dor invadir os ossos pela má posição.

— Caráter? O aspirante a padre está me dizendo que tem caráter? Acha que não vi a maneira como olha para ela? Quer ganhar outro olho roxo? — Sua ameaça era objetiva o bastante. Eu me afastei.

Maldita hora em que me deixei cair no sono e acordar com Tadeu me infernizando.

— Não sei do que está falando, isso é coisa da sua cabeça — Preferi evitar dar motivo para prolongar aquela conversa estúpida.

Tadeu me empurrou para trás bruscamente, quase perdi o equilíbrio.

— Fique longe da minha mulher, essa tua pose de santo não me engana Roberto — Disparou de maneira violenta, quase cuspindo contra meu rosto. Contive meus impulsos para não sair do controle.

Minha mulher.

Só de ouvi-lo falar dela como se fosse um objeto em sua posse, me dava náusea.

Peguei minha bicicleta e saí pedalando, decidi ir à padaria, a dona nos dava pães de graça por generosidade, então mudei o trajeto, evitando passar pela ponte e trazer mais lembranças daquela noite turbulenta.

No meio do caminho meus olhos encontraram Tuca, ele parecia perdido, à procura de uma direção, como se quisesse lembrar de algo. Antes de perdê-lo de vista, o vi tirar um comprimido do bolso e enfiar na boca, sem água para ajudar.

— Bom dia, senhora Vilar — Cumprimentou Aparecida, a simpática dona da padaria.

Celina não esboçou nenhum sorriso ou algo que fosse meramente simpático e ignorou minha existência ali.

As olheiras profundas e os cabelos mal penteados indicavam algo fora do normal, longe da vaidade sempre como marca registrada de uma mulher de seu nível social, embora o colar de pérolas triplo estivesse no pescoço.

— Bom dia Cida, sabe me dizer se meu filho esteve por aqui no centro? — Apertou os olhos, desmontável. Cida moveu a cabeça em negação, enquanto colocava os pães no saco.

— Se vê-lo, por favor, leve-o para casa imediatamente — Pediu, a voz pesada. 

— Claro, se eu vê-lo, levo para a senhora — Garantiu, entregando-lhe o saco cheio e recebendo as moedas, tendo como resposta um sorriso frigido de agradecimento.

Peguei meus pães e agradeci Cida, tomando impulso para tentar alcançar Celina e dizer que tinha visto seu filho mais cedo, no entanto, quando a encontrei novamente, estava acompanhada do par de olhos castanhos e dos longos cachos brancos de sua filha ao redor do chafariz.

Julgando os gestos inquietos e repetitivos de Dorinha, eu diria que elas estavam discutindo.

— Só aceitei me casar com Tadeu por causa do que vocês fizeram! — Apontou-lhe o dedo rispidamente.

Peccato-A origemOnde histórias criam vida. Descubra agora