A vingança e o castigo

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As mãos tão delicadas deslizaram pelas pétalas da flor, até escorregarem e acidentalmente atingirem os espinhos, perfurando a ponta dos dedos, o licor escarlate se derramou entre a pele alva.

Ela ergueu os olhos mais azuis do que o próprio oceano em seu âmago e os colocou sobre mim. Em seguida, sorriu da maneira mais graciosa e amável que alguém podia contemplar na terra.

Acordei sobressaltado, meu coração disparado, quando me dei conta, minha pele suava gelado e a roupa estava encharcada de suor.

— Filho? — Aquela voz mansa me trouxe de volta dos devaneios.

— Está tudo bem? — Enrugou a testa, notando minha alteração. Como poderia dizer a ele que sonhei com ela? Seria cruel da minha parte.

— Sim, foi apenas um... pesadelo — sibilei, rouco. Esfreguei os olhos e tentei respirar fundo.

Estava dormindo na cama do hotel, o quarto de Eva parecia um campo de tortura.

O sonho foi bem pior do que aquele que tive há muitos anos, foi real, como se fosse uma lembrança que fugia de mim.

Uma lembrança de que eu não a tinha, nunca mais a teria, nunca veria seu rosto outra vez.

— Você adormeceu e tivemos dó de te acordar, sua tia está terminando de colocar os móveis na casa que conseguimos e vamos para lá logo... — explicou carinhosamente, porém meus ouvidos pararam de ouvir a partir de onde a minha mente quis me torturar.

Quando deixaria de ser torturado pelos meus próprios pensamentos? Refém da minha mente?

— Como ela era? — Ousei perguntar, embora soubesse o peso que jogaria nos ombros dele.

Marcos deu um longo e melancólico suspiro, a tristeza nublou as suas feições.

— É impossível descrever sua mãe, mas a alma da minha Lídia... era como as manhãs mais bonitas de sol, era o significado de formosura, era gentil, corajosa e... — Sua voz foi diminuindo até sumir, seus olhos se encherem de água, mas não transbordaram.

— Você se sentiu culpado? Quando... me perdoe ter esse tipo de questionamento, eu não deveria estar falando sobre isso! — Me contive, pois a curiosidade por saber sobre os dois e a história de amor, acabaria o fazendo muito mal.

Levantei da cama. Marcos me segurou pelo braço.

— Não... fique... é sempre um enorme prazer falar da sua mãe — Assegurou, esbanjando um sorriso tristonho.

Sentei novamente ao seu lado, tirando meus cabelos grudados de suor na testa.

— Nosso amor vai muito além do eterno, embora para ela esta palavra tenha chegado cedo demais... Lídia era um vendaval, eu adorava a chuva — Começou, apreciando cada memória que devia visitá-lo internamente.

— Insetos tocam sua carne quando você morre, pessoas mexem em você... mas eu tive algo que o mundo não podia destruir, nem toda a maldade que nos cercava — Levantou-se, indo até o móvel do outro lado e pegando uma garrafa de vodka para beber um pouco.

— Jamais me senti culpado por tê-la amado, jamais sentirei, Lídia era o amor da minha vida e espero encontrá-la de novo um dia — Me lançou um olhar de soslaio, virando a garrafa no copo.

— Se eu pudesse pedir qualquer coisa, seria ouvir a voz dela lá de cima, a risada é o que mais sinto falta... tenho certeza de que está impressionando os anjos — Apontou o teto acima de nós, se referindo ao que o ultrapassava.

Sequei minhas lágrimas que desciam.

— Precisa trocar de roupa, pegue uma minha, deve servir — balbuciou, a voz embargada.

Peccato-A origemOnde histórias criam vida. Descubra agora