A conversa

17 3 6
                                    

Dia seguinte.

Passei a noite em claro, sai para tomar um pouco de ar logo pela manhã, passei a noite em um hotel da cidade, por consideração a mim, não me cobraram nada, nem fizeram perguntas sobre o motivo de eu não passar a noite na igreja, pois já estava bem tarde quando me hospedei. Isadora retornou para casa quando o sol estava quase raiando.

Eu a acompanhei até a rua de esquina de sua casa. Quando olhei fundo em seus olhos mais belos que o alvorecer, senti que ali estava meu mundo inteiro.

— Vai ficar tudo bem — Encostou sua testa na minha. Relutei contra a vontade de chorar.

— Você é meu refúgio, sabia? — Entrelacei nossas mãos.

Ela sorriu a melancolia transpareceu em um sutil par de covinhas sobre sua pele alva, e me deu um beijo demoradamente, se despedindo após me deixar com o vazio do calor de seu toque.

Alguns metros a distância, acabei me deparando com uma cena e preferi me esconder para observar.

— Você tem sido motivo de vergonha para todos nós! — Vociferou Antônio em meio a praça, pouco movimentada. Miguel apenas o encarou silenciosamente.

— Esses cabelos, deveria cortá-los, parece uma mulher! É vergonhoso, humilhante! — Disparou contra a face do filho com tanta fúria que os cabelos mexeram.

— Você vai para o exército, estou farto de decepções! — Impôs, apontando-lhe o dedo de maneira escandalosa.

— Primeiro me fez ficar num manicômio, sabe que meus cabelos grandes são para esconder as malditas marcas da terapia de choque, pensei que seria pior desta vez pai, pegou leve na crueldade — Foi a única coisa que respondeu ao homem de cabelos grisalhos, semelhante à ele em alguns traços. Aquilo me embrulhou o estômago.

Miguel não tinha ido parsa Alemanha... não podia imaginar o horror que tinha sofrido, a terapia de choque era horrível e cruel só pelo que eu escutei, deveria ser terrivelmente pior para quem sentia na pele. Ninguém merecia aquilo, independente do que tinha feito para decepcionar Antônio, era desumano.

Logo que Antônio foi embora, deixando o filho mais velho sozinho, uma jovem de cabelos cacheados na altura dos ombros e pele morena surgiu.

— Miguel? — O chamou, indo na direção do rapaz de costas.

— Miguel! — Chamou novamente.

— Não esta me escutando? — indagou, aborrecida, parando diante dele.

— Estou Ana, aliás, acho que toda Água Azul te escutou — Respondeu com preguiça, se virando.

— Filomena me contou o que houve entre vocês — disse com a voz embargada.

— O que? — Franziu o cenho, confuso.

— Diga que não é verdade, diga — Quase suplicou, desviando os olhos verdes do azul límpido de Tuca.

— Está se referindo a... sim, nós estivemos juntos — Confessou, soltando um grunhido desconfortável. Os olhos verdes se arregalaram, decepcionados.

— Ela é minha prima, você sabia? Como pôde? — sibilou, apertando os lábios com pesar.

— Ana, eu não quero nada com ela, se é isso que te aflige, mas... sou livre, entenda — Tentou amenizar a má reação da moça.

Ana se distanciou com sua tentativa de se aproximar.

— De tantas mulheres desta cidade, por que sou a única que não consegue desejar? — indagou, erguendo os olhos marejados a Tuca.

Peccato-A origemOnde histórias criam vida. Descubra agora