A garota volta para casa

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Chego em casa. Não em casa, mas de frente ao prédio que moro. É estranho porque nem parece. A fachada é a mesma, mas quando entro no prédio tenho a impressão de ter passado um tornado. Nada está no lugar. Móveis revirados e amontoados, lixo por toda parte. Não vejo o porteiro. Não vejo ninguém. Parece uma cena de filme pós apocalipse.

Vou para o elevador. Outro cenário decadente. Tenho que afastar com cuidado alguns objetos para entrar. Aperto meu andar. Ao abrirem as portas, hesito por um instante e respiro fundo, desejando ter permanecido lá embaixo sozinha do que entrar ali. Apesar de estar tudo normal, igualzinho como me lembro. Até aquele ar sombrio de segredos escondidos em cada canto. E é isso que deixa meus nervos descontrolados.

Enfim saio do elevador. De repente, sou abordada por uma voz risonha no meio da escuridão da sala.

"Noite quente não é, minha menina?"

Acordo num sobressalto. Cansada, acabo dando um cochilo e o solavanco do carro me assusta. Preciso de uma boa noite de sono.

Ainda faz calor mesmo no fim do mês, uso uma camiseta branca e um jeans surrado azul claro num salto alto com meus longos cabelos que deixei crescer no verão, deslizando nos meus ombros. A maquiagem havia saído com o suor do meu rosto.

802 East da 5th Avenue de frente para o Central Park. Senti saudade da bela vista que tenho da janela do meu quarto. Da voz do meu pai me acordando no primeiro dia do verão. E da época que minha família era feliz com momentos simples. Exausta, eu não demoro mais tempo do lado de fora depois que o táxi foi embora.

Acabo de passar alguns dias com meu irmão e volto para casa depois que vovó resolveu passar uma longa temporada em Marseille para cuidar da saúde e descansar de sua tumultuada vida social.

Entro no saguão indo direto para o elevador onde o rapaz magrelo me espera, ele aperta o botão para subir e sussurro um "boa noite" ao senhor Howell antes de subir.

Ao abrirem as portas, hesito por um instante e respiro fundo. Déjà vu. O jovem se despede cordial voltando ao seu posto de trabalho.

Arisa Miller, minha mãe, desce as escadas toda empolgada vindo me receber como nunca antes. Me abraça toda melosa soltando para olhar melhor.

"Também estava com saudade mãe."

"Que bom que você voltou! Pensei que tinha fugido de novo quando vi suas malas aqui e você não. Ah! Tenho uma coisa para você! Eu queria tanto entregar no seu aniversário, mas como você está voltando para casa..." Ela levanta indo até o escritório e logo volta trazendo um estojo, toda animada. "É o seu presente!"

Sem graça, sorrio e a abraço me sentindo por dentro a pior pessoa do mundo. Ela desvia sua atenção para o estojo, eu abro exibindo um lindo colar com pequenas pedras azuis e diamantes brilhantes. Mamãe continua tagarela.

"Não é lindo? É exclusivo. Quis fazer algo especial e um amigo designer se inspirou em você. Não é um apartamento em Bangkok, mas é uma obra prima! Ai, meu Deus, mamãe gosta de exagerar! Um apartamento em outro país é muito adulto para você, só está completando dezessete anos!" Comenta demonstrando ciúmes da vovó.

O que ela quer dizer na verdade é que eu ainda sou a menininha irresponsável e imatura dela.

Afasto meu cabelo, para ela me ajudar a colocar o colar. Vejo melhor meu reflexo no espelho emoldurado da sala.

"Está magnifica!" Completa satisfeita.

Eu olho meu reflexo no espelho. O colar é esplêndido e exclusivo para mim. Mamãe nota desconfiada a minha volta repentina de viagem. Nossa relação não é muito boa, então também desconfio de toda essa atenção comigo. Ela não deve estar lidando bem com o divórcio. Dou alguma desculpa esfarrapada que só aceita porque atua numa falsa emoção mesmo que esteja satisfeita em me ver de volta em casa.

A Garota Problema - FreenBeckyOnde histórias criam vida. Descubra agora