Tudo de bom que você me fizer

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Sentia-se precisamente em uma realidade paralela. Os sonhos - pesadelos - eram cada vez mais vívidos e reais. Ela ainda sentia o cheiro podre da carne desvanecida por entre suas narinas, as mãos trêmulas quando as colocou em sua própria garganta, tentando respirar.

Foi quando acordou em um supetão, dentro de um grito que deve ter ecoado por todo o bairro.

Puxou o ar um punhado de vezes, as mãos brancas enroladas no edredom rosa como se aquilo pudesse ser sua salvação. Se sentia doente. O suor escorria livremente pelas costas e testa, assim como o queixo tremia.

- Meu Deus...

Natália nunca foi uma mulher devota, dificilmente acreditaria em qualquer outra coisa da qual não pudesse ver, não pudesse tocar, não pudesse provar. Porém, ali, no meio do quarto escuro com o coração batendo a mil por hora, ela pediu mentalmente para ser curada. Ela precisava daquilo mais que qualquer outra coisa no mundo.

Precisava de um final.

Ela precisava de aceitação.

Seu coração parecia que iria desmanchar, ou explodir, ou dobrar de tamanho ou todas as opções acima, tudo de uma vez só.

Natália se levantou em um só pulo da cama, encolhendo brevemente os ombros quando os pés encontram o chão frio de linóleo. Estava tão absorta nós próprios pensamentos, que sequer deu importância a camisola que vestia. Muito pelo contrário, com os olhos enevoados, ela desceu as escadas, alcançando a chave do carro com um esforço mínimo.

As chaves do carro de Pedro.

O mesmo Pedro que estava dormindo no quarto ao lado. Natália quase podia ouvir o ronco do irmão, mas também não se importou.

O pesadelo ecoando na mente de forma desesperada. Via os olhos de Bruno com clareza, seus cachos, a covinha em sua bochecha, ouvia sua voz a chamando.

- Natália...Natália...Natália...

- Não! Me deixa eu paz, Bruno! - ela murmura, fechando a porta do carro com um baque surdo.

A Cardoso puxa a respiração um punhado de vezes, se desesperando com o cheiro que ainda sentia. Não, não podia ser. Bruno morreu. Natália nunca mais havia sentido aquele cheiro.

Sua mente a pregava peças, essa era a única alternativa possível.

- Me deixa em paz.

A voz sai em um fio quebradiço.

Foi um flash. Em um momento, estava dentro do carro, tentando colocar a chave na ignição, no outro, andava a quase cem por hora. As mãos presas ao volante, os nós dos dedos brancos pela força que aplicava ali.

A mente de Natália trabalhava como uma fábrica de um trabalhador só que precisava tecer, cortar e guardar tudo em sacolas bonitas de uma vez só.

Sentia as mãos de Bruno em seu pescoço. Apertando...apertando...apertando...

- Bruno!

- Me deixa em paz, sua pirralha - ele grita, empurrando a irmã tão forte, que as costas da mesma se chocam contra a parede do quarto.

Os dois tinham dez anos recém completados. Natália queria uma festa. Bruno, por sua vez, dizia que jamais faria uma comemoração junto dela.

- Por favor, vai...

- Só porque a gente nasceu no mesmo dia, não significa que a gente é a mesma pessoa, sua esquisita! - ela se encolhe quando ele levanta a mão, bagunçando os cabelos dela de forma agressiva - Vai, faz a merda da sua festa com seus dois amigos imaginários e me deixa em paz, vai.

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