Quando te vejo não saio do tom

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Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios no ar

- ELA O QUE?

A fisioterapeuta pula de susto pelo grito abrupto da melhor amiga, levando ambas as mãos em direção aos ouvidos. Mesmo depois da explosão repentina pós-fofoca, Adriana permanecia soltando breves e animados gritinhos - como uma adolescente apaixonada -, pulando no sofá e cutucando Carol com o indicador.

- Para de gritar, Adriana!

- Puta que pariu. Carolzinha! Repete, acho que eu não ouvi direito, vai - ela para de pular, os olhos arregalados para a melhor amiga - Mas fala devagar, com jeitinho, com todos os detalhes possíveis e imagináveis.

A Soffredini abre e fecha os lábios um punhado de vezes, sem saber direito por onde deveria começar. Não queria dar tantos detalhes, pelo bem de sua paz, como também sabia que Adriana iria exigir tudo que tinha direito de saber. Ela estava em um dilema difícil de sair. Sua mente parecia enevoada desde ontem, tanto que sequer conseguiu pregar os olhos noite passada. A doutora ainda sentia o hálito de Natália contra seu rosto, seu perfume bom ecoando de seus punhos, o sorriso de Natália, os olhos de jabuticaba de Natália.

Natália...Natália...Natália...

- O Pedro, irmão dela, precisou ir pra uma ultrassonografia com a esposa ontem, então a Natália não conseguiu ir à fisioterapia. Por isso, eu achei que seria legal, profissional, claro, levar a fisioterapia até ela - Adriana sorri, divertida. Carol revira os olhos - Para de me olhar assim!

- Impossível. Continua.

- Enfim, fui, levei os materiais todos e sugeri o jardim como nosso campo de prática. Ela adorou a ideia, embarcou super, Adriana. Foi muito bom, sabe? Ela tá evoluindo tanto - os olhos de Carol cintilavam. Adriana não achava que a amiga estava ciente do que estava acontecendo, por isso, resolveu deixá-la descobrir por conta própria - Já tá até conseguindo ficar de pé, dando uns passinhos pequenos com a ajuda das barras. Ela tá começando a ter força nas pernas de novo, e eu tô tão...

- Orgulhosa?

Carol estende os olhos em direção à Adriana, como se só ali, naquele instante, tivesse percebido que não estava sozinha.

- É. Orgulhosa. Muito orgulhosa.

Adriana mergulha o saquinho de chá dentro da xícara amarela, estendendo em direção à outra. Carol o recebe de bom grado, bebericando em seguida.

- E depois? - Adriana instiga, depositando o queixo sobre a mão espalmada - Como foi que vocês chegaram a isso?

- Depois, nos sentamos para comer. A Natália começou a me falar sobre o passado, o irmão morto, a situação ruim em que se encontrava, o acidente. De uma hora para a outra, ela estava tão despida, sabe? Foi como se - Carol puxa a respiração - ela confiasse totalmente em mim. Como se eu tivesse vendo Natália pela primeira vez desde que a conheci.

- Nossa, Carol...

- E aí, ela se aproximou para me beijar - o queixo de Adriana cai. Ao mesmo tempo que tentava não sorrir, Adriana cobria a boca com a mão esquerda, já sabendo que estava sorrindo - E eu deixei - Carol choraminga, caindo de costas no sofá - Porra, Adriana, eu deixei pra caramba!

- Calma, amiga. Não é tão ruim quanto você acha.

Carol ri alto.

- Como não? Ela é minha paciente, Adriana!

- E existe regra sobre se relacionar com pacientes? - Carolina fita a amiga por trás dos dedos das mãos espalmada no rosto - Ok. Claro que existe...

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