O que você faz, me ajuda a cantar

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- Eu não vou.

- Natália...

- Eu não vou - declara a mulher, cruzando os braços enfezada - Vou continuar assim pra sempre, você vai me colocar em uma casa de repouso, vou adotar um gato e chama-la de Celine. É isso.

Pedro passa as mãos pelo rosto cansado.

Ele não entendia, há minutos atrás, estavam tão bem. Natália acordou calada, mas se fez presente no café da manhã, Taís a auxiliou no banho, e então ela pareceu esmurecer, como se uma nuvem cinzenta tivesse se apossado de toda sua curvatura.

- É sério isso, Natália? Você vai desistir antes mesmo de tentar?

- Sim.

O que o assustou foi o fato de ela não ter pensado duas vezes antes de responder, a mandíbula cerrada e cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo feito pela mesma.

Pedro suspira, calmamente se sentando na beirada do sofá para ficar da altura da irmã.

- Olha, eu sei que vai ser difícil, tudo bem? Eu nem imagino pelo que você está passando agora, o que está sentindo, suas esperanças, mas nós precisamos acreditar que tudo vai voltar ao normal, minha irmã.

- Nada, nunca mais, vai voltar ao normal, Pedro - ela solta, ácida - Essa é minha realidade agora. Eu sou uma inútil presa à uma cadeira de rodas, é isso!

E Natalia chorou.

Pedro tentou não demonstrar o quão abalado ficou com sua explosão repentina, nem com suas lágrimas grossas escorrendo por suas bochechas. Ao invés, ele acariciou o ombro da mulher, que tirou sua mão de lá com uma brutalidade ácida. O homem crispa os lábios.

- Nós vamos à fisioterapia.

A Cardoso o olha.

Seus olhos inundados por todo o tipo de sentimento que Pedro jamais vira na irmã. Seu coração doeu ternamente por ela.

Em resposta, tudo que Natália faz é enxugar as bochechas com os punhos da blusa de mangas, levando a cadeira de rodas até a porta. Quando chega, ela olha por cima do ombro, o nariz e olhos ainda vermelhos pelo recente choro.

- Tá esperando o que?

E Pedro foi.

De acordo com o doutor Ulisses, aquela era uma das melhores fisioterapeutas com quem ele já havia trabalhado. Natália não podia negar, ficou surpresa quando viu o extenso prédio de janelas prateadas se estendendo em direção ao céu. A fachada era clara, arborizada e com um punhado de orquídeas presentes perto da recepção. Pedro quase enlouqueceu ao ver.

Com o pescoço esticado para ver, Natália contou vinte e seis andares. Os lábios separaram brevemente pela ansiedade.

- É aqui mesmo? - questiona, duvidosa.

- É o endereço que o doutor Ulisses escreveu para mim. Por que? Não gostou?

- Você e sua mania de sempre esperar o pior de mim - apesar de Pedro estar atrás dela, empurrando sua cadeira, Natália quase pode ouví-lo revirando os olhos para sua fala - Só falei porque achei bonito.

- Ela não deve ser a melhor à toa, não é mesmo?

- Acho que você está colocando muita fé nessa mulher, como se ela fosse me curar hoje mesmo, com o poder da mente. Pedro, ela não é Jesus, ok?

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