Mas meu desejo já se repara

1.1K 166 238
                                    

- O meu nome é Wanda. Eu vou ser sua nova fisioterapeuta.

Natália solta uma risada alta, descrente. Ela fita Tais com os olhos marejados de tanto rir, e então volta a olhar para Wanda, a suposta nova fisioterapeuta, ainda rindo bastante. A mulher estava estática, impassível.

- Desculpa, mas acho que houve um engano aqui.

E tudo que eu posso te dar
Às vezes eu quero chorar
Mas o dia nasce e eu esqueço
Meus olhos se escondem
Onde explodem paixões
E tudo que eu posso te dar
É solidão com vista pro mar

- Acredito que não - a voz de Wanda respingava profissionalismo - A senhora é Natália Cardoso, não é?

- Até onde eu sei, sim.

Responde, enxugando o canto dos olhos.

- Perfeito. Vamos até minha sala?

- Onde tá a Carol, ein? - Wanda, que começara a andar em direção à própria sala, estanca na metade do caminho - Eu gostaria de falar com ela. Deve ser um mal entendido.

- A doutora Carolina foi remanejada para o nono andar, dona Natália, com os pacientes do projeto B. Ela não está aqui no momento.

Os ombros de Natália caem.

Carol havia...abandonado ela?

Foi isso? Exatamente como todo mundo, Carol tinha trocado Natália como se a mesma fosse aquele brinquedo velho que ninguém queria mais, esquecido detrás do guarda-roupa antigo. Era exatamente assim que ela se sentia. O coração disparado, as mãos suadas, a vontade iminente de chorar. Mas ela não choraria! Não ali. Não por Carol. Não por ninguém.

Natália sequer se lembrava da última vez que tinha chorado. Talvez após a morte da sua cadelinha Carrie, sua melhor amiga e confidente. Sim. Lembra de ter chorado a tarde inteira, agarrada no antigo cobertor da cadelinha. Lembra também de Bruno rindo dela, a chamando de imatura, de bebê, dizendo que Carrie nunca passou de uma cachorra mimada. Lembra de ter chorado mais ainda.

A culpa foi sua; tinha aberto até demais o jogo com a mulher. Tinha falado o que não devia, tinha se apegado, se deixado levar por um par de olhos bonitos. E tudo isso pra que? Pra ser esquecida em dois tempos.

Natália não merecia aquilo.

Ou outra coisa pra lembrar
Às vezes eu quero demais
E eu nunca sei se eu mereço

- Podemos ir? - Wanda volta a questionar.

Ela tentou ver um pouco da familiaridade que via nos olhos de Carol, nos olhos daquela mulher. Mas, nada. Natália se chutou mentalmente.

- Sim.

E foi péssimo.

Ela tentou. Tentou fortemente ceder à Wanda, realizar os exercícios como deveria ser, prestando total atenção nos comandos, não arrepiando quando os dedos gélidos de Wanda lhe tocavam o braço, ou respondendo seus questionamentos com um tom tão sério quanto o da mesma. Porém, quarenta minutos se passaram como sete horas.

No final, Natália não aguentava mais ouvir a voz daquela mulher, e Wanda pareceu notar.

- Olha, Natália, eu sinto muito.

Sangue latinoOnde histórias criam vida. Descubra agora