Trilha

145 7 0
                                    

Música “Correnteza” de Tom Jobim

– Estou preocupado com a Olívia. Será a primeira vez que ela ficará longe da gente, mas sei que esse tempo será bom para nós. – Giovanni falou
– Olívia precisa de dois pais felizes, que têm momentos felizes juntos e que se conectam entre si para se conectarem em família. Ela vai ficar bem, meu amor. Só são quatro dias. Estou sentindo muita falta dela e ela vai amar ficar com a bisa Adelaide, vovó Adriana e titia-bisavó Marlene só para ela. – Ísis riu
– Agora posso te confessar algo? Eu tô me sentindo muito mais seguro hoje, voltando aqui do que da primeira vez. Como tudo estivesse diferente e está. – Gil desabafou – Tudo que aconteceu, tudo que veio à tona, a consolidação da gente e a Olívia como um sinal bom de que seremos ainda mais felizes do que somos.
– Que lindo, meu amor. É porque as coisas mudaram, sei que muitas delas não foram como queríamos e muitas pedras estiveram nos nossos caminhos, mas acho que quando estamos plenos, a vida flui e o seu ciclo vai nos abençoando. – Ísis completou

Eles andaram trilha afora e pararam num ponto específico, ficaram a tenda e a noite caiu. O céu de estrelas em nada lembrava a poluição que tomou conta do Rio de Janeiro. O som dos bichos, a natureza, os dois, ali.

– Eu tentei animar você, quer dizer, te tranquilizar. Mas quem está pensando na Olívia agora sou eu, meu Deus. Que saudade daquela menina. – Ísis chorou – Não dá para imaginar a vida sem ela. Eu fico imaginando como eu vivi 25 anos sem a minha Oli.
– A nossa Oli é muito muito especial. Ela herdou o jeito da mãe dela, apaixonante, linda, com os olhos mais perfeitos do mundo. – Gil beijou Ísis
– Amor, vamos voltar quando amanhecer? – Ísis pediu
– Você quer, baby? Eu até aceitaria ficar, mas se você quer ir.
– Não aguento ficar distante dela, não.
– Nem eu, ela nos venceu. – Giovanni riu

Era cedo e eles chegaram em casa. No Alto do Jardim Botânico, Adelaide os recebeu.
– Chegaram tão cedo, queridos. Pensei que levariam mais três dias para chegar. Essa menininha ficou inquieta. Eu, Marlene e Adriana vivemos uma verdadeira força-tarefa essa noite. Acho que foi saudade. Ela é tranquila, mas tava tão agoniadinha. – Adelaide falou
– Chegamos mais cedo. A saudade não deixou a gente ficar lá não. A gente quer ficar o tempo todo agarradinhos nessa menina. Mas, me diz uma coisa, dona Adelaide, ela está acordada? – perguntou Ísis
– Ela estava dormindo até agora. – Adelaide olhou à babá eletrônica e viu que Olívia tinha acabado de acordar – Acordou.
– Vamos lá. – Giovanni falou

Bastou ouvir as vozes dos pais no corredor, a menininha balançou os bracinhos e começou a gargalhar.
– Sentiu falta da gente, filha? Sentiu. Ô, meu Deus. Mamãe tá de volta. É, tá de volta para Olivia. – Ísis pegou a bebê no colo
– Papai tá aqui, a gente voltou para ver Lili. – Gil sorriu para a bebê que gargalhava na presença dos pais
– Olha como ela está feliz. O maior amor do mundo.. – Ísis riu
– Como ela não ficaria feliz se tem dois pais maravilhosos que se amam e que a amam? Ela sente que é amada por todos a sua volta. A Oli é uma criança fora da curva. – Marlene chegou recém-acordada

E a família ficou o resto daquela manhã inteira juntos, conversando sobre coisas cotidianas e um telefonema foi sobre Helena. Giovanni ao ouvir a notícia ficou atônito.
– A Helena.. a Helena fugiu do hospital psiquiátrico. – anunciou Gio
– O quê? – perguntou Ísis – Não é possível. Uma mulher dessas fugir do hospital psiquiátrico. Ela não tem mais juízo nenhum. Não dá para ficar solta por aí.
– Aumenta a segurança dessa casa, pelo amor de Deus. Se ela souber onde vocês moram e não duvido, é capaz dela aparecer aqui. – sugeriu Marlene
– Será que ela é capaz? – perguntou Adelaide
– Acho que não.. ela não tem mais noção da realidade e como ela saberia o nosso endereço? Estamos seguros aqui. – disse Giovanni

A noite caiu e Gil um pouco mais despreocupado mostrou para Ísis algo que estava lendo, um poema do Tom quando se mudou para a famosa casa ao lado.

“Vou fazer a minha casa
No alto do chapadão
Vou levar o meu piano
Que ficou no Canecão

Vou fazer a minha casa
No alto do Chapadão
Vou levar Don’Aninha
Pra me dar inspiração

Vou fazer a minha casa
No alto de uma quimera
Vou criar um mundo novo
Vou criar nova megera

Vou fazer a minha casa
Com largura e comprimento
E peço ao Paulo uma sala
Pra botar Aninha dentro

Vou botar minha biruta
No taquaruçu de espinho
Vou fazer cama macia
Pra te amar devarinho

Seremos dois belezudos
Neste mundo de feiosos
As noites serão tranquilas
E os dias tão radiosos

Quero a minha casa feita
Com régua prumo e esmero
Quero tudo bem traçado
Quero tudo como eu quero

Quero tudo bem medido
De largura e comprimento
Não quero que minha casa
Me traga aborrecimento

Vou fazer a minha casa
Do alto de uma canção
E agradecer a Deus Pai
A sobrante inspiração

Sob a axila do Cristo
Neste sovaco cristão
Vou fazer a minha casa
No alto do Chapadão

E vou dar festa bonita
Com bebida e com garçom
E ao Lufa que foi amigo
Dou champagne com bombom

Vou fazer a minha casa
No centro do ribeirão
Quero muita água limpa
Pra lavar meu coração

Minha casa não terá
Nem sábado e nem domingo
Todo dia é dia santo
Todo dia é dia lindo

E dentro da minha casa
Nunca vai juntar poeira
Pelo meio dela passa
Uma enorme cachoeira

Quero água com fartura
Quero todo o riachão
Quero que no meu banheiro
Passe inteiro o ribeirão

Quero a casa em lugar alto
Ventilado e soalheiro
Quero da minha varanda
Contemplar o mundo inteiro”
– É lindo, transmite uma paz que o próprio local inspira. Acho que temos vivido, finalmente, tinha assim também. Depois de tantas coisas, estamos aqui. E quem imaginaria que assim? Com uma filha, com uma família, com a nossa história firme. – Ísis sorriu
– Agora só falta o nosso casamento.. com vestido de noiva e tudo. – Gio brincou
– Quem sabe eu não me animo. – A mocinha riu – Vou colocar Oli no bercinho dela, capotou.

Quando todos estavam dormindo, uma mulher estranha consegue entrar na casa e pela janela adentra no quarto de Olivia. A mulher tinha nome e sobrenome: Helena Aranha. Helena estava visivelmente diferente e completamente despida de qualquer capacidade lógica, há não ser a maldade que já lhe habitava. No quarto, ela contemplou as fotos de Ísis, Olívia e Giovanni.

– Eu vim te pegar, bebê. Você sabia que eu sou sua tia e também sou sua avó? Sim. Sim. Vou te levar pra bem longe daqui. Sua mãe roubou o meu filho e agora vou te levar para mim. Você parece com o teu pai.. vou te levar daqui. Meu pai está nos esperando lá embaixo. – Helena confundia a realidade com a mentira, Sérgio já estava morto há meio ano.

Olivia começou a chorar forte e alto. Isis ouviu e levantou em direção ao quarto da bebê.
– Helena? – a mocinha se surpreendeu

Canções e MomentosOnde histórias criam vida. Descubra agora