Um - De quem eu fui um dia

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Oito anos. Oito longos anos longe da minha família, dos hotéis baratos, do Impala - o qual eu chamava de "Baby" - de tudo o que um dia conheci como sendo meu lar. Desde que fui enviada para este internato de caçadores mirins, minha vida se transformou em uma sequência de dias cinzentos e noites frias, onde a solidão é minha única companheira.

Aqui, nesse lugar sinistro, fui submetida a treinos físicos exaustivos, à desumanização constante e a dietas rigorosas que mais pareciam torturas do que cuidados com a saúde. A cada dia que passa, sinto minha essência sendo diluída, meu espírito sendo moldado à força para me tornar algo que não reconheço: uma caçadora fria e impiedosa. O total contrário do que meu pai queria que eu fosse.

Observo meus colegas de internato, as poucas almas que compartilham comigo lembranças desse lugar. Vejo o brilho de suas inocentes juventudes se apagando lentamente, substituído pela determinação vazia de quem já viu e fez coisas que nenhum ser humano deveria testemunhar.

Mas no fundo do meu coração, uma chama de resistência ainda arde. Mesmo diante das adversidades e das sombras que tentam me consumir, sei que há uma parte de mim que se recusa a se render completamente a este destino imposto. E é com essa chama frágil, porém persistente, que eu luto todos os dias para manter viva a esperança de um dia escapar deste inferno e reencontrar minha liberdade, Castiel e, acima de tudo, a mim mesma.

Já bolei todo tipo de plano de fuga em minha mente, dos mais simples aos mais mirabolantes possível. Infelizmente, nunca tive coragem de executar nenhum deles.

Nesse momento eu estou sentada no gramado dos fundos do internato, vendo meus colegas fazerem todo tipo de exercício possível nesse dia cinzento.

Eu estou dando um tempo ao meu corpo, já que estou exausta após fazer 3 séries com sequência de 50 exercícios de cada.

A Unidade de Formação de Caçadores fica em Eureka, na Califórnia, totalmente escondida na floresta densa e habitada apenas por pássaros, esquilos e coelhos.

Consigo ouvir o som dos pássaros se misturando com os grunhidos dos meus amigos fazendo esforço físico, quando sinto uma mão tocar o meu ombro por trás de mim.

Lentamente, eu olhei por cima do meu ombro e vi minha avó me encarando. Ela não precisou dizer nada para que eu me levantasse e a acompanhasse até a parte de dentro do internato.

Quando chegamos ao salão principal, onde ocorrem as reuniões e tudo mais, ela parou e encarou os meus olhos verdes.

Será que vê o meu pai ao me olhar? Por isso me rejeita tanto?

- Precisamos conversar - ela diz séria.

- Estou ouvindo.

- Hoje receberemos os Homens de Letras aqui, e eles não querem ver você. Deverá ficar no quarto.

- Por quê?

- Motivos da direção.

- Vó, eles sempre querem me ver. O que é diferente hoje?

- Não te interessa, Riley - diz ríspida. - O mundo não gira a sua volta. Você não é especial como pensa ser. Agora pode ir para o seu quarto, e aproveite para tomar um banho.

É claro que estou suada e suja. Passei a manhã toda treinando, como sempre.

- Claro - digo baixando a cabeça.

Ela se manteve séria e se afastou de mim, me deixando sozinha. Os donos sempre exigem me ver, assim como os outros, o que mudou hoje? Por que devo ficar no quarto? Odeio estar aqui e simplesmente não ter nenhuma de minhas perguntas respondidas. Como eu disse, sou tratada como cão.

Eu fechei meus olhos por alguns segundos, sentindo minhas mãos se relaxarem e minhas unhas saírem de dentro de minha carne, com sangue em suas pontas.

Em silêncio, eu me direcionei até o meu quarto, que fica no andar subterrâneo, isolado dos outros quartos, com o armazém, garagem e tudo mais. Tenho acesso apenas ao meu dormitório.

Quando chego na porta, passo meu cartão e entro, depois a tranco e sigo até o banheiro.

Cada peça de roupa tirada é como um peso que sai de mim, como se eu voltasse ser Riley Winchester, e não Riley Morgan. Mas essa sensação dura apenas alguns segundos, até que eu ligue o chuveiro e me apoie na pia enquanto espero a água esquentar, me olhando no espelho.

O rosto sujo de terra, o cabelo desgrenhado, os olhos vazios... Eu não era assim. Não me reconheço mais.

Encarando a mim mesma pelo reflexo, eu busco um pequeno vislumbre de quem fui um dia. Às vezes acho e às vezes não. Sinto que estou me matando devagar, que estou sendo possuída por um dos demônios que mato a cada semana. Estou me tornando um deles.

Ainda com meus olhos em mim, com uma das mãos, toco minhas costelas nuas e as conto. Cada uma delas tem os sigilos enoquianos que Castiel gravou em mim quando tinha uns 8 ou 9 anos. Ele nunca poderá me encontrar graças a ele mesmo e aos outros sigilos que circundam esse lugar.

Meus olhos verdes já não têm mais o mesmo brilho, mas ainda me lembram dos do meu pai. São do mesmo tom, com as mesmas nuances de cor. Ele estaria decepcionado se pudesse me ver agora.

Se ainda estivesse vivo, é claro.

A cicatriz na minha clavícula me lembra de tio Sam, de quando eu estava ajudando ele a fazer compras para cozinharmos alguma coisa em uma casa que ficamos alguns dias, para o aniversário de 25 anos do meu pai.

Eu fui tentar pegar um vidro de whisky para dar ao meu velho de presente, e a garrafa acabou caindo em cima de mim, quebrando e me cortando. Tio Sam foi rápido em me ajudar.

Me lembro de chorar no colo dele, enquanto ele me dizia que estava tudo bem e que eu iria sobreviver a aquele pequeno corte que me assustava tanto.

Não demorou duas semanas até que cicatrizasse sem pontos, mas ainda sim tenho a marca desse dia.

Tem um pouco de cada um dos três em mim, e isso faz com que eu me sinta forte para continuar. Ainda acredito que um dia vou achar Castiel, e ele vai me ajudar a fugir desse inferno que hoje eu chamo de casa. Só espero que ele não tenha voltado para o céu.

Quando saio de meus devaneios, vejo que estou chorando e sinto a tristeza pulsando em meu peito e enozando minha garganta. Pelo menos isso faz com que eu lembre de que sou humana, de que tenho pelo o que lutar e objetivos a cumprir.

Só me lembrei do chuveiro ligado, quando o vapor da água quente começou a embaçar o espelho em que eu me olhava.

Soltei a pia, me direcionei até o box e entrei debaixo da água, sentindo aquele calor tocar cada centímetro do meu corpo nu. Esses são os únicos minutos em que eu tenho o mínimo de paz.

É no meio desses minutos que percebo algo: Hoje é terça-feira, os Homens de Letras só vêm aqui nas sextas. Tem algo errado.

O que será tão importante ao ponto de fazer os mauricinhos da Inglaterra mudarem toda a sua agenda? Estou ansiosa para descobrir.

O que será tão importante ao ponto de fazer os mauricinhos da Inglaterra mudarem toda a sua agenda? Estou ansiosa para descobrir

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