DOIS, telefonemas que só trazem problemas.

255 24 65
                                    


Por que está amanhecendo?
Peço o contrário, ver o sol se pôr
Por que está amanhecendo?

— "Relicário", Cássia Eller part. Nando Reis.


ADRIANE GALISTEU, a borboleta.


Apartamento da Dri, Lapa. São Paulo, Capital, 1990.

Aquela voz tranquila e serena, transbordando alguma certa timidez e uma doçura particular soou claramente pelo telefone, provocando um baque de água fria no meu peito que eu não esperava.

O que eu esperava, afinal? Tinha dado meu telefone pra ele, mas isso não queria dizer que esperasse que ele mesmo fizesse alguma ligação, pensava que o tal assessor me sondaria para algum possível encontro o qual dispensaria sem pensar duas vezes.

Fiquei sem reação. Não havia trocado mais do que um rápido diálogo de cumprimento respeitoso com ele na noite anterior, noite a qual o dispensei duas vezes. Pensei que nessas horas já seria uma carta fora do baralho, riscada da lista de potenciais encontros ou noitadas.

A gente vai dar uma churrascada em Angra. Você não quer ir?

O convite da noite passada feito pelo tal assessor dele é refeito, mas dessa vez saia pelos lábios do próprio homem ao invés do intermediário. Aquilo mexeu levemente comigo, admito. Jamais esperava que ele mesmo fosse ligar, tomando iniciativa.

Ainda sim, não é que não me sinta confortável - se trata mais do fato de que tinha uma vida, trabalho simplesmente não caia do céu se não participasse de testes e seguisse os horários. Ainda não tinha o privilégio de escolher minhas próprias campanhas e desfiles como algumas modelos mais sucedidas já tinham essa opção.

— Tenho muito trabalho pela frente, preciso de um tempo pra responder.

Um momento de silêncio do outro lado da linha, até que a voz dele ressurge, — Agora... O que você vai fazer agora? — indaga, como quem não quisesse nada.

— Agora? Tenho um teste para um comercial.

Esse era o meu primeiro contato com a personalidade pessoal insistente do piloto, e é claro que eu poderia estar me aproveitando disso para inventar alguma desculpa como essa clássica entre as modelos da Elite, mas nesse caso não era uma mentira. Havia mesmo um teste para o comercial da empresa Arisco, - que, como em uma irônica verdade, era para figurar ao lado de outro certo piloto brasileiro, ninguém menos que Nelson Piquet.

Até eu, e até as pedras sabiam que o maior inimigo de Ayrton Senna era Nelson Piquet e não Alain Prost, como muitos duvidavam. Era claro que não deixaria esse pequeno detalhe sobre meu teste ao lado de seu rival agora.

E apesar de minhas desculpas, ele não desistiu:

Então, depois do seu teste, me liga — decidiu, falando tanto para mim como para si mesmo. Entendi rapidamente que só me livraria dele se concordasse, então silenciosamente o fiz enquanto ele continuava. — Pra este número mesmo, você tem papel e caneta pra anotar aí?

— ... Tudo bem. Espera um segundo, — pedi, alcançando minha pequena agenda telefônica que ficava ao lado do telefone com uma das mãos enquanto a outra segurava o telefone. Tive que apoiar a agenda na parede, segurando a caneta contra a folha — pronto. Pode falar.

Animadamente ele ditou os seis números que dariam acesso ao contato dele naquele telefone que usou para me telefonar, algo que provocaria o fascínio de todas as tietes, qualquer jornalista que se prezasse e os fãs obcecados da estrela do Brasil no automobilismo mundial.

caminho das borboletas | ayrton senna & adriane galisteuOnde histórias criam vida. Descubra agora