SEIS, a tão prometida churrascada.

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Se você sente o corpo colar
Solte o seu medo bem devagar
Chega perto e diz anjo
Bem mais perto e diz anjo

— "Anjo", Roupa Nova.

ADRIANE GALISTEU, a borboleta.

Casa de Angra. Angra dos Reis, sudoeste do Rio de Janeiro. Abril de 1990.

O poderoso planeta reluzente como o fogo sumiu gradualmente no horizonte, dando lugar e as devidas boas-vindas ao anoitecer, a natureza noturna despertava junto ao breu de escuridão que escondia o mar lá fora, apesar de poder se escutar o quebrar das ondas tranquilamente.

Da modesta sacadinha térrea do quarto que fora denominado meu durante a estadia nesta humilde residência, observava a vista a fora ignorando o barulho que se espalhava pela casa desde uma ou duas horas atrás - não conseguia me enganar, ser sonsa não era algo que tinha como habilidade particular, independente do quanto tentasse, eu estava ali, trajando o roupão que encontrei no banheiro após um longo e relaxante banho pra descolar o cheiro do mar do meu cabelo e corpo.

Apesar de já ter separado o vestidinho branco repleto de florzinhas coloridas que usaria para essa primeira noite de churrascada, recatada e bonitinha, era uma roupa comportada e confortável, me via presa no dilema de sair da segurança do "meu" quarto e encarar o povo festeiro que transitava pela casa.

Quinta-Feira a noite, depois de um dia com um calor de matar que nem pude reclamar, sendo que passei o dia distraída por um carinha e sua desconfiada cachorra... Ironicamente, acho que entre aquela duplinha do barulho, já que ele provocava mais sustos e surtos em mim do que a cachorra, que apesar de não parecer ser minha maior fã, ficava satisfeita a se instalar metros de mim.

Fito o vestido estendido sob a cama antes de alcançar minha mala, tirando o tênis branco e simples que tinha atirado ali por um acaso. Meu cabelão estava molhado, mas não escorria água pingando no chão, então não incomodava. Preguiça de importunar alguém por um secador de cabelo, que secasse sozinho. Livre, leve e solto.

Era uma junção informal, então não ia colocar um quilo de maquiagem no rosto como se fosse desfilar em cima duma passarela a qual todos os olhos estivessem em mim, então dispensei a base, pó, blush, sombra e o que mais pudesse imaginar. Um gloss incolor na boca era suficiente.

Que a figura da palhacinha ficasse reservada para os compromissos de trabalho que pediam e imploravam daquilo.

Tal qual bicho do mato, refugiada entre as folhas das palmeiras, eu espiava a algum sinal de movimentação calorosa por uma fresta da porta. Cheirosa e vestida, quando finalmente deixei o quarto, caminhei pelo corredor longo tentando ao máximo fingir costume.

Acho que era Like a Virgin, da cantora estrangeira Madonna, que berrava do toca-fitas quando cheguei na área que todos decidiram se instalar no começo da noite.

De primeira, como um instinto de sobrevivência que apitava, e quando planejava fazer uma linha até as outras duas meninas da Elite, que me abanaram do outro lado da área, já tinha feito minha cabeça de me juntar a elas pelo resto da noite.

E mesmo que não tivesse revelado do meu plano inicial pra ninguém em específico, é claro que algo tinha que afundar aquele plano antes que ele sequer entrasse em andamento.

Não tinha dado atenção ao olhar que fazia um calor subir pela minha espinha, mas ele me abordou direitinho quando aquela voz doce soou divertida atrás de mim, arrepiando até os pelos da minha nuca.

caminho das borboletas | ayrton senna & adriane galisteuOnde histórias criam vida. Descubra agora