NOVE, piloto é estrategista e também atacante.

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Me fiz em mil pedaços
Pra você juntar
E queria sempre achar explicação pro que eu sentia
Como um anjo caído
Fiz questão de esquecer
Que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira
Mas não sou mais
'Tão criança oh oh
A ponto de saber tudo

Já não me preocupo se eu não sei por que
Às vezes, o que eu vejo, quase ninguém vê
E eu sei que você sabe, quase sem querer
Que eu vejo o mesmo que você

— "Quase Sem Querer", Legião Urbana.


ADRIANE GALISTEU, a borboleta.

Casa de Angra, Angra dos Reis. Sudoeste do Rio de Janeiro. Sábado à tarde, Abril de 1990.

Barulheira calorosa, que abraça a alma e puxa o melhor de si para fora, seria esse o resultado do primeiro almoço o qual todo o pessoal da churrascada compartilhava junto. Sim, acontece que depois da primeira noite que se estendeu até metade da madrugada, o horário de sono e refeições da casa virou uma completa bagunça.

Legião Urbana tocava no rádio, a estação mais famosa do Rio sintonizada ao volume quase máximo, não prejudicando em nada a conversa que já rolava solta desde a praia. Já se passavam das quatorze da tarde quando todos se acomodaram sentados e muito bem servidos para devorar o que dona Maria tinha preparado.

Eu tentava fazer costume, mas a realidade é que aquela pequena colônia de férias fora de época sempre seria uma coisa fora da caixa e extraordinária, especialmente pela companhia. Aquilo me fez fitar o piloto sentado à minha esquerda, dessa vez no meio da mesa ao invés da tradicional ponta da churrascada noites atrás, tranquilo e conversador ao mesmo tempo, ele parecia tão leve e confortável quanto nos poucos momentos que compartilhamos sozinhos.

Só quando desencanei de ficar olhando tanto pra ele, voltando a dar atenção ao prato de comida na minha frente, notei que bem na nossa frente estavam sentados Braguinha e Luíza, me olhando de forma acusatória, quase rindo da minha cara - eu fora pega assistindo Ayrton no pulo, o que me fez desviar o olhar de volta para comida e fingir que nada tinha acontecido o máximo que consegui. Era justamente sobre projetar uma pessoa confortável em mim que sofria com um pouco de vergonha agora.

Uma garfada aqui, outra ali. Pausa, um gole de uma coquinha gelada.

Depois daquela conversa com Luíza e Betise, confesso que não sei se meus nervos diminuíram ou dispararam a qualquer momento, provocando ainda mais dúvidas em mim mesmo que tivesse me explicado algumas coisas.

Também tinha a questão que elas poderiam estar dando uma mãozinha ao amigo de longa data delas, fornecendo um pequeno empurrãozinho pra mim me soltar. Não era que eu queria ser desconfiada, mas tinha que me lembrar religiosamente o fato de estar conhecendo aquelas pessoas pela primeira vez agora, não é como se pudesse confiar de olhos fechados sem uma dúvida sequer.

Também tinha aquela outra recorrente perturbação pessoal minha toda vez que relembrava da fatídica parte da conversa do piloto com seu assessor que acabei escutando por alto no outro dia, aquele negócio de agenda telefônica lotada me dava vontade de colocar umas boas coisas pra fora.

Aquilo sim me perturbava toda vez que a lembrança voltava e eu sentia vontade de perder meu réu primário e entender qual era a dele. Um homem tímido da maneira dele, galanteador mas fofo, cavalheiro, atraente e educado... Ainda assim, fazia parte do seleto grupo de malucos milionários cuja profissão era correr em círculos dentro de carros que eram tão rápidos quanto foguetes. Ele podia ter a mulher que quisesse, e eu ainda ficava aqui, tentando entender o porquê eu estava aqui, porque ele tinha insistido tanto mesmo antes de uma conversa, decidindo me conhecer melhor da maneira dele, longe dos holofotes - o que, honestamente, eu não era nada contra. Entendia bem os motivos, mas ainda tinha dificuldade em processar o fato de estar ali e ele ainda ter opções.

caminho das borboletas | ayrton senna & adriane galisteuOnde histórias criam vida. Descubra agora