Eram roxas e profundas as olheiras que Grace encarava no espelho e se sentia tão mal quanto parecia estar. Como ela encararia Charles hoje? Essa pergunta se passava mil vezes na sua mente. Com qual face encararia ele novamente?
O café da manhã era o mesmo de sempre, mas hoje em específico estava intragável, o pão parecia mais cinzento e os grãos estavam duros demais. Leonor e Simon estavam rindo e conversando alto demais para o horário, mas como em uma meditação que Grace vinha praticando, ela ocultava suas vozes, focando nos sons dos pássaros, no farfalhar das folhas. E hoje estava mais fácil, ela já havia acordado oculta em si própria, uma pena que não oculta para o mundo. Apesar de tudo ela ainda tinha suas obrigações, seu pai ainda andava mancando, Willow ainda precisava de tratamento e ela precisa coletar mais insumos para sua pequena sala de atendimento, apesar de sempre atender na casa de outras pessoas, ela gostava de manter um local para atender em alguma outra situação mais atípica.
Enfim o mundo ainda tinha sol e pensando nisso, naqueles raios que abraçavam suas bochechas geladas, ela deu um último suspiro forte antes de montar em Fergus. Os latidos de Guinef seguiam os dois estrada a fora, o cão velho não ficava sem o amigo por muitos tempos, mas Guinef sempre o seguia até um pequeno pedaço de terra, se cansava e então deitava na grama e esperava pelo retorno por lá mesmo.Durante o trajeto abriu um sorriso ou dois para cumprimentar alguns conhecidos, mesmo vivendo um tanto longe do resto do vilarejo, era sempre fácil de encontrar pessoas com quem ela já havia prestado serviço ou amigos de seus pais. Hoje ela viu o ferreiro e a mãe de sua amiga Diana. Apesar de querer saber notícias da amiga, se absteve em apenas dar um comprimento simples e um sorriso forçado para senhora Turner.
Chegando na residência dos Coopers, estava tudo muito mais silencioso que o habitual e não que aquele fosse um ambiente muito barulhento, como o de sua casa. Porém algo estava diferente. A princípio ela se preocupou com Willow. Teriam eles decidido viajar e nem mesmo a comunicaram? Apesar de estar melhorando, ela ainda precisava fazer uma última avaliação.
O som da madeira ecoava seco no ar, ao bater na porta, mas ela apenas rangeu se abrindo, evidenciando que já estava aberta.-Senhora Cooper? - Grace chamou. Porém o único som que ela ouviu, veio da sala. Então foi verificar e encontrou o Senhor Josef Cooper, ele estava sentado em uma poltrona, a fisionomia rígida, os olhos inertes da realidade, ele observa um quadro na parede. Seu retrato com trajes militares.
-Perdão, senhor Cooper, eu vim tratar de Willow. -Ela interrompe
Ele volta inebriado, como se percebesse a presença dela somente naquele momento.
- Eu não vi a senhora Cooper na cozinha então entrei, eu não quis incomodar. Então se não se importar, vou subir para encontrar Willow.- Ela se vira querendo sair do cômodo rapidamente ao encontro de Willow.
-A senhora Cooper, ela estava indisposta hoje. - Ela parou ao ouvir a fala arrastada e angustiada de Josef.
-Ela está doente? - Perguntou aflita.
O senhor Cooper balança a cabeça e suspira. Com os olhos marejados, ele procura algo na gaveta, encontra um envelope.
-Charles escreveu para você. - Ele estende a carta para ela. Sem entender, ela olha para a carta. Confusa.
-Parece que perdemos muitos soldados na guerra e... - A voz de Josef engasga.
-Muitos jovens fortes foram convocados para servir no exército. - Grace engole uma angústia que trava na sua garganta, ela enxerga Josef pelo borrão dos seus olhos encharcados, que coloca a mão no rosto antes de também desabar em lágrimas. Os lábios dela tremem, enquanto os soluços saem da sua garganta, ela se senta em um sofá para descansar o peso do seu corpo.
Ela só conseguia pensar em Charles e como isso machucava, suas lágrimas escorriam pelo pescoço molhando seu colarinho.Ele nunca lutou, Charles não entende de guerra, ele é apenas um rapaz gentil. Que teve a capacidade de fazer o estômago de Grace sentir cócegas, com apenas o toque dos seus dedos. Era revoltante, era injusto.
Ela precisava ver Willow, pobrezinho também deveria estar muito abalado, Grace não consegue nem mesmo imaginar como está a senhora Cooper, provavelmente estava em seus aposentos desolada.
Ela encontra o garotinho deitado na cama, entra no quarto e ele pousa seus olhinhos vazios nela. Nenhuma criança deveria sofrer assim, pensava Grace.
-Olá, mocinho! Eu soube da notícia, você deve estar com muita saudades de Charles, não é mesmo?- Ele balança a cabeça com os olhos aguados.
-Eu sei, mas Charles quer que você seja corajoso e hoje eu vou precisar ver como está seu ferimento, vamos lá? - Willow consente e com muito desânimo se sente na beira da cama. Grace avalia seu ferimento, que já está coberto de tecido epitelizado, uma pele rósea saudável.
- Muito bem, não vamos mais precisar dessas faixas, certo? Mas você precisa tomar muito cuidado ainda, para a ferida não abrir novamente, a pele ainda está sensível.
-Eu não vou me machucar mais, Charles nem vai poder cuidar de mim mais e nem brincar mais comigo. - Willow funga e suspira o ar, tristonho.
- Ei! Não fale assim, depois que tudo acabar, Charles vai voltar brincar com você.
Nem mesmo Grace acreditava nas suas palavras, mas ela precisava dizer algo para confortá-lo.
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Lilac Gale (Uma história de amor)
RomanceGrace é uma jovem curandeira que vive com sua família no vilarejo de Lilac Gale. Fugindo da guerra Augustus, um soldado desertor tem a graça de ser encontrado por Grace que ajudará a tratar de suas feridas. Será que em circunstâncias tão complica...