Erik e eu estamos vivendo bons dias. Eu arriscaria e diria dias perfeitos. Então, por que às vezes sinto que ele está me escondendo algo?Ontem nós fomos ao festival de inverno. Secretamente, sempre achei uma festa romântica. Frio, shows tranquilos, bebidas quentes. Sempre pensei nele aqui comigo. Eu senti a magia que achei que sentiria.
Exceto em um momento. Era uma parte do show com músicas antigas, o cantor puxou uma música do Roberto Carlos. Quando ele citou o cantor, eu me animei um pouquinho. Minha mãe era uma fã, eu, como quase toda jovem petulante, não gostava e dizia que era "coisa de velho". Até que eles morreram e eu ouvia o tempo inteiro, o dia inteiro. A voz do cantor e as letras de suas canções, mesmo que não falassem histórias que eu vivi, me faziam companhia no luto.
A música começou suave. Os acordes tranquilos.
"Quando eu te amei pela primeira vez / tudo era poesia / a juventude andava em nossos corpos / em nossa fantasia. / E eu te amei como um menino pode amar (...)"
Eu senti os braços de Erik circularem minha cintura por trás. Eu descansei o corpo nele. E fechei os olhos. Nossos corpos balançaram no ritmo da canção.
"E me perdia em sonhos / quando você foi embora eu chorei / como um menino sabe chorar."
Ele me apertou com mais força e então percebi que pela primeira vez, a música do cantor preferido de minha mãe, contava uma história que vivi.
"Quando eu te amei / pela segunda vez / já era um homem feito. / E nos meus braços você foi mulher / com todos os defeitos / E eu te amei como um adulto sabe amar / com toda realidade."
Abri meus olhos de novo e resolvi me virar. Erik baixou os olhos para me olhar e se eu imaginava ver algo bom, senti o peito apertar quando percebi que ele tinha dor em seus olhos.
"Quando você foi embora eu chorei / como um homem não deve chorar./ Quando a solidão / revivendo as lembranças / me fez sentir um resto de esperança."
Tentei dizer para ele com meu olhar que eu me arrependia de tudo. Tentei dizer a ele que estávamos bem e seguros, mas as palavras não saíram. Não pelo show, não pelo barulho, mas porque eu não sabia se estávamos. A angústia em seus olhos me assustava.
"Você passou pela rua/ e o passado voltou / a lembrar seus abraços. / E mais uma vez eu te amei/ e lembrei de você / linda e nua em meus braços / quase que chamei você / mas olhei pra mim mesmo."
Eu não queria decepcioná-lo mais uma vez, então não fiz promessas com palavras. Eu apenas fiquei na ponta dos pés e o beijei, esperando que meu beijo prometesse o que as palavras não fizeram. Egoisticamente, eu não poderia ser acusada se não pudesse ser cumprido.
"E parei os meus passos / de tanta saudade percebi / que um homem / também sabe chorar"
Quando paramos o beijo, Erik sorriu. Seus olhos estavam felizes e a magia voltou.
- O que eu faço, Evaristo?
Pergunto para o bode como se ele pudesse me responder e ouvir. Era para ele estar amarrado em uma pequena cordinha, mas eu odeio prender animais, mesmo que seja por pouco tempo. Estou podando as flores. Temos um jardineiro e esse não é meu trabalho, mas é algo que aprendi a amar e eu precisava tirar a angústia que vi nos olhos de Erik ontem a noite da minha cabeça. Eu poderia pintar, mas ando sem inspiração para isso.
Uma brisa sopra e balança meu cabelo. Nesses momentos, sempre penso em meus pais, mas hoje penso em Rosa. Eu corro os olhos pela paisagem da pousada e sorrio. Aqui no jardim, há vasos de barro com flores, algumas estatuetas de animais. Sorrio porque Benício enfeitou essa parte do jardim durante os dias que estávamos em São Bento, fiquei surpresa e maravilhada. Principalmente porque ele não parecia bem quando partimos. Ainda lembro do seu tom de voz, não era arrogante e hostil como antes, mas claramente era perturbado. Agora, a paisagem estava linda e aconchegante e contrastava com os sentimentos contraditórios que ele sentia pela pousada. Eu ainda não sei porque ele odeia tanto isso aqui
- FLORA! O EVARISTO.
Ouço Erik gritar. Por um instante, eu não entendo, fico confusa e olho para os lados, até que olho para trás e Evaristo não está mais ali. Eu o procuro e o animal está correndo pelo jardim, derruba os vasos, pisa nas flores e atravessa em direção ao deck.
Então, respiro fundo! Alane está fazendo torta de maçã e o cheiro deixa Evaristo doido porque ele ama maçã. Esse bode, definitivamente, precisa ser estudado.
Eu começo a correr atrás dele, Erik também. Precisamos pegá-lo porque o bar do deck está com clientes. Jesus!!
Quando nos aproximamos, vejo Alane assustada e Violeta - que está ajudando no bar - segurando o riso.
Nem Erik e nem eu chegamos a tempo de segurar Evaristo. O Bode caminha entre as mesas, alguns clientes estão assustados, outros riem e alguns estão gravando com seus celulares. Três adultos não conseguem segurá-lo até que alguém o faz.
— Esse bode idiota!
Eu vejo Benício falar. Os seus músculos estão rígidos pela força que faz, suas tatuagens parecem maiores e tem aquela expressão mal humorada habitual que parece nunca deixar seu rosto. Ele se vira para os clientes, pede desculpas e diz para Alane servir uma rodada extra de bebidas para todos, por conta da pousada. Benício apenas me olha, ele leva Evaristo, Erik e eu vamos atrás. Eu noto que ele para e observa toda a bagunça que Evaristo fez. Eu me arrependo de não deixá-lo amarrado. Iam ser apenas alguns instantes, eu poderia ter evitado tudo isso. Não seria crueldade, a corda é enorme e ele sempre fica solto. Ele só estaria preso enquanto eu estava cismada de arrumar o jardim. Cristo! Acho que meu coração bobo causou tudo isso.
— Benício, foi culpa minha eu não amarrei o Evaristo e…
Ele me interrompe.
— Precisamos falar com você.
Eu não entendo o plural e por um instante, fico confusa. Olho em volta e só então, eu noto que com um olhar divertido ao ver a cena, está Dominic. Eu não o vejo há algum tempo, mas não deixo de notar que - mesmo com aparência de cansado - ele está bonito. Não vou mentir, sua expressão é dura. Mesmo com o olhar divertido causado pelas confusões Evaristo. Não é uma dureza hostil, como a de Benício, é a dureza de um homem que sofreu. De alguém que conhece o sofrimento de perto.
— O que houve? - Pergunto porque eu nunca imaginei que Dominic também precisaria falar comigo.
Então, Benício olha para Erik também e depois para mim.
— Precisamos de você presente também, Erik. Eu só vou levar esse bendito bode daqui.
— Por favor! Não brigue com ele, ele apenas queria um pouco de torta e...
Benício me interrompe:
— Quando foi que você me viu maltratar um animal? Esse bode é um carma e eu só aceito isso, inferno.
Eu me calo porque realmente Benício nunca fez nada assim. Então, ele apenas leva Evaristo para nossa mini fazenda. Dominic o acompanha.
— Quem é ele? - Erik me pergunta.
— É o Dominic, ele era advogado da Rosa. Lembra? Benício disse que iria buscá-lo em São Paulo.
— O que será que ele quer? - Erik pergunta.
— Nem ideia. - Então, uma pensamento vem em minha cabeça e eu me preocupo. - Jesus! Erik! Será que eu acabei de dar o motivo para minha demissão?
— Claro que não, ele não poderia adivinhar que isso ia acontecer. Dominic já veio com ele, como ele saberia que iria presenciar alguma cena dessa? E isso nem é sua culpa.
— Evaristo podia ter machucado algum cliente ou causado algum estrago no bar da Alane.
— Mas não causou. Ninguém é demitido por uma suposição. Além disso, não acho que Benício demitiria você, antes talvez... Mas sabemos que ele está mudado.
— Mas Dominic aqui não deve ser um bom sinal.
— Nós não vamos adivinhar o que é parados aqui, Flor, fique calma. Vamos entrar e esperar por eles como ele disse. Vamos tomar uma água antes e nos acalmar, certo?

VOCÊ ESTÁ LENDO
O Lago Encantado
RomanceATENÇÃO: ESSA OBRA É +18 🔞 E CONTÉM TEMAS SENSÍVEIS (VIOLÊNCIA E SEQUESTRO) QUE PODEM DESPERTAR GATILHOS. OS CAPÍTULOS SERÃO SINALIZADOS. CUIDE SEMPRE DE SUA SAÚDE MENTAL Ana Flora Albuquerque, agora apenas Ana, deixou sua vida para trás e chegou n...