"Em 1º de Maio de 1991, uma mulher me deseja feliz aniversário. Só por causa disso, me lembrarei dela por toda a vida. Se as memórias vierem numa lata, espero que nunca percam a validade. Mas se tiver que ter uma validade, espero que seja daqui a dez mil anos."
Amores Expressos (1994)
(ᴍɪɢᴜᴇʟ¹)
Mulan era um serzinho diabólico, enviada para a terra com o único objetivo de ferrar com a sua vida, até então, pacífica e confortável. Pelo menos, foi o que Miguel pensou quando seus corpos se chocaram pela primeira vez no verão do segundo ano, em frente ao laboratório de biologia.
A situação toda poderia ter sido interpretada de outra maneira, os dois ocupando o mesmo espaço por alguns segundos, até o livro que ele segurava perder a luta contra a gravidade e atingir o chão. Acidentes eram naturais aos seres humanos. Geralmente, em casos como aquele, as pessoas tentavam se redimir, abaixando a cabeça e pedindo desculpas, ou procurando amenizar o dano de alguma forma. Não foi o que ela fez. A capa de Fahrenheit 451 sendo amassada em frente aos seus olhos pelas botas de cano curto da garota foi o estopim para o início da longa guerra fria entre os dois.
Eis um fato: Miguel odiava confrontos. Em algum momento entre o fim da sua infância e início da adolescência, decidiu que passar despercebido pelas pessoas era a melhor chance que tinha de escapar ileso do ensino médio; sempre na sua, lendo um livro ou editando alguma matéria para o jornal da escola. Por isso, quando Mulan chegou, bagunçando toda a ordem natural das coisas, tentou manter a calma, esperançoso com a possibilidade de que ela logo se cansaria dele e partiria para outra.
A ingenuidade às vezes poderia ser perigosa.
Se Miguel presava pelo anonimato, Mulan fazia questão de sempre estar sob a luz dos holofotes. Os encontros nos corredores tornaram-se uma rotina. Uns esbarrões ali, piadinhas pontuais de segunda a sexta, e para seu grande desespero: até o mapeamento da sala estava contra ele, a garota assumindo a cadeira logo atrás da sua no primeiro dia de aula e permanecendo lá desde então. Não importava o que fizesse ou o quanto tentasse ignorar sua existência, Mulan tinha conquistado um lugar permanente dentro de seus dias mundanos.
Ele teria chegado ao fim do ano imune, pronto para seguir em frente e deletá-la para sempre de seus pensamentos, se não fosse por aquele sábado, a mesa escolhida de forma aleatória, e os beijos ocasionais que vieram antes e depois.
「• • •」
Miguel mantinha a cabeça baixa enquanto caminhava pelos corredores, certo de que os fones em seus ouvidos eram suficientes para abafar todo o barulho de uma típica manhã de segunda-feira; a coragem que havia encapsulado dentro de seu corpo escapulindo pelos ares à medida que avançava em direção a sala de aula. O que era aquilo? Ele não estava nervoso, estava? Recusava-se a admitir que o motivo de todo o formigamento em sua pele era, não por causa de alguma doença cutânea contagiosa, mas, em suma, pelo medo da rejeição. De que Mulan simplesmente fingisse que nada havia acontecido entre os dois.
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É Só O Vento Lá Fora | ✓
Novela Juvenil[Conto] Quatro jovens estudam na mesma escola, mas raramente se falam. Convenientemente, o inesperado acontece quando, em um sábado à noite, todos eles vão parar no Olympus, a lanchonete mais famosa da cidade. Obrigados a sentar na mesma mesa, eles...