- Oh vidinha sem sentido. Estou farta deste local onde nada presta e não acontece nada!
- Não digas isso minha filha. Aqui pelo menos temos paz.
- E isso o que me interessa. Mato-me a trabalhar para chegar a meio do mês e andar a contar os tostões. Hoje tive que comprar fiado o pão e o leite. Achas isso bom, mãe? Se não fosse a tia Rosa do mercadinho ter pena de nós, morriamos à fome.
- Vou rezar já uma novena. Deus há-de ter compaixão de nós.
- Isto já não vai com novenas. Nem cem missas nos salvam. Essa tua fé ainda nos faz pior. Essas moedinhas que deixas na missa fazem-nos falta, mas fazer o quê?
- Que blasfémia filha. Desde quando deixaste de acreditar em Deus?
- Desde que me mato a trabalhar e a ver todos os dias iguais. Olha ali aquele tanto de roupa para lavar! Eu chego da farmácia e ainda tenho este encargo. Podias ajudar mais, mas levas o dia de terço na mão e eu que me f@da.
- Juliette do céu! Isso é coisa do demónio. Não foi essa a educação que te dei. Eu sei que te criei sózinha, mas sempre na fé de Deus. Se não fiz mais, foi porque não pude.
- Está bem. Vou lá por a roupa no sabão, que amanhã tem que ser entregue lavada e engomada.
- Vou terminar a sopa. Hoje não tem muita coisa, mas dá para matar a fome.
- Ao menos isso, né mãe. Já que sobra tudo para mim.
Um dia largo tudo e vou para S. Paulo.- Lá é terra do demo. Aquelas gentes vivem todas enfeitiçadas. Tenho visto na televisão. Mulheres quase nuas e os homens, uns autênticos demónios.
- São os tempos de hoje, mãe. Aqui neste lugarejo é que ainda vivemos como no século passado.
Juliette vivia com a mãe desde sempre. Após fazer o ensino secundário e o pai as ter abandonado, ficou sem outra opção a não ser trabalhar para prover o sustento da família o que cada dia era mais difícil.
A mãe com o desgosto, refugiou-se na igreja e de lá não saía.
Aos 20 anos, Juliette acumulava o trabalho na farmácia local e ainda aceitava roupa para lavar e passar.
O dia dela começava por volta das 5 horas da manhã e por vezes terminava às 11 horas da noite.
Hoje era mais um dos dias difíceis e ela praguejava com tudo e todos.
Quando finalmente terminou o trabalho, mal conseguia abrir os olhos de tão cansada que estava. Comeu a sopa e atirou-se para cima da cama ainda vestida. Não tardou muito e já mergulhava num sono profundo.