Capítulo 3 / Passado

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Não era fácil acreditar que a pessoa que eu mais amava não estaria mais presente em minha vida. Minha mãe era o tipo de pessoa que quase nunca ficava para baixo. Ela era a luz da família, sempre com seu sorriso largo e espontâneo, fazendo todos rirem ao seu redor. Ninguém ao seu lado ficava triste. No dia do seu velório, por uma peça do destino, o ambiente estava carregado de tristeza. Familiares e amigos se reuniram para prestar sua última homenagem. As flores que cercavam o espaço eram margaridas e copos-de-leite. O perfume delas percorria o ambiente, e a música suave ecoava pelos corredores, enquanto uma mistura de lágrimas e abraços consoladores preenchia o espaço.

O semblante do meu pai era uma mistura de tristeza e dor. Era a primeira vez que o vi chorar. Durante todo o velório, ele não saiu do lado da minha mãe. O amor dos dois era algo que ia além da morte. Um casamento de mais de 28 anos, cheio de cumplicidade, respeito e companheirismo, terminava de forma tão abrupta e dolorosa. Era algo que eu não podia acreditar.

No dia seguinte, foi realizado o enterro da minha mãe. O céu cinzento refletia o peso da perda, como se até mesmo a natureza estivesse de luto. O padre iniciou a cerimônia falando do amor de Deus e de sua irmã que nos deixava.

— Meus irmãos e irmãs, hoje é um dia de muita dor e tristeza para todos. Em especial para a família e os amigos da nossa irmã Luzia Mendes Cabral, que nos deixou tão cedo. — O padre estava ao lado do caixão, seus movimentos eram espontâneos e sua voz era alta e firme. — Nossa irmã Luzia foi uma grande mãe, amiga e mulher. Todos vocês devem ter belas lembranças de sua vida. Além do mais, nossa irmã era uma mulher de muita luz, um exemplo de fidelidade a Deus e devoção à sua fé. Sempre ajudando os que mais necessitavam com seu projeto "Mãos Estendidas", ela ajudou muitas famílias que precisavam de um olhar e atenção. Ela finalizou sua caminhada nos mostrando um lindo ensinamento de amar ao próximo. Sei que hoje é um dia triste para todos que perderam esse incrível ser humano, mas hoje o céu está em festa para receber a nossa irmã Luzia de braços abertos na casa do Pai. Ela não está mais neste plano, mas agora já se encontra ao lado de Deus. Pois, em João, capítulo 11, "Disse-lhe Jesus: 'eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá..."

Durante toda a cerimônia do enterro, minha cabeça latejava de uma forma que jamais havia sentido. Nem mesmo os medicamentos para dor e enxaqueca foram capazes de mascarar a pressão em minha cabeça. Era como se dois grandes pêndulos estivessem se chocando dentro de mim. Meus olhos estavam secos e meu corpo todo tremia. Se o enterro demorasse mais dez minutos, acredito que eu também partiria. Não seria uma má ideia, pois minha vida estava consumida pela dor e sofrimento. Não conseguia entender como Deus poderia permitir tanta desgraça em nossa casa. Era muita ironia o padre falar da devoção e fé de minha mãe, a um Deus que não permitiu que ela se despedisse de sua família.

Quando estava no hospital, depois de ter desmaiado, fui ao banheiro lavar o rosto. Dentro de uma das cabines, ouvi a voz de duas enfermeiras falando sobre o atropelamento de minha mãe. Elas comentavam que, durante o acidente, minha mãe esteve consciente até dar entrada no hospital, e por isso deveria ter sentido toda a dor do impacto e das lesões. Meu choro, naquele momento, foi convertido em remorso e raiva de Deus e de todo o universo por permitir tamanha crueldade e abandono à minha mãe.

Duas semanas se passaram. Minha rotina se resumia em trabalho, casa e faculdade. Após a morte da minha mãe, a relação entre mim e meu pai se tornou automática, como se estivéssemos formulando frases prontas e repetindo para nós mesmos que tudo iria ficar bem. Mas estávamos errados, nada iria ser como antes. Com a minha perda, os meus amigos da faculdade deixaram de lado a história da traição de Elisa. Agora, a fofoca se baseava na tristeza que o pobre Miguel estava passando.

Os meses passaram, e a dor e o vazio em meu peito só aumentavam. Meu pai chegava em casa com cheiro de álcool e cada vez mais tarde. Eu não o culpava. Se fosse eu, também preferiria trabalhar até mais tarde dirigindo pelas ruas da cidade a ir para casa e perceber que o amor da minha vida tinha sido arrancado precocemente. O álcool era sua válvula de escape e eu precisava encontrar a minha. As crises de ansiedade só aumentavam. Minhas notas começaram a piorar, o semestre estava para encerrar, e minha caixa de e-mail estava cheia de avisos para realizar a entrega dos trabalhos. Naquele momento, nada mais importava na minha vida. Minha única razão era tentar sobreviver a mais um dia no inferno que minha vida se tornou.

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