Capítulo 21 / Passado

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      Nos dias seguintes na clínica, uma aura de leveza e descontração pairava no ar, tornando a experiência mais agradável do que eu poderia imaginar. Durante as noites, Dona Manuela se tornou uma presença constante ao meu lado, compartilhando histórias e oferecendo palavras de incentivo. Sua visita era como uma luz brilhante no meio de uma jornada às vezes sombria.

— Daqui a uma semana é o dia das visitas. Como você está se sentindo? Ansioso para falar com seu pai? — Perguntou a Dra. Isabel, brincando com a caneta em uma das mãos, durante mais uma de nossas conversas em sua sala.

— Como você mesma tem mencionado em nossas conversas, um dia de cada vez. Alguns dias, me sinto bem na maior parte do tempo, mas em outros, pensamentos negativos invadem minha mente e me deixam apavorado. No entanto, sei que ao tomar os medicamentos corretamente e participar das dinâmicas em grupo e das nossas conversas, cada dia estarei mais perto de me sentir melhor. E sobre meu pai, estou com saudades dele.

— Que bom, fico feliz em ouvir isso. — disse ela, tentando conter a alegria em sua voz. — Percebi uma grande diferença entre a nossa primeira conversa e está.

— Fico contente que, de alguma forma, tenha conseguido superar suas expectativas, Dra. — respondi, mantendo minha expressão contida.

— Estou orgulhosa de você. — Ela colocou a mão em meu ombro. Era a primeira vez que realizava um contato físico mais carinhoso, diferente dos apertos de mão mecanizados. — Isso já é um bom progresso, você devia se sentir orgulhoso disso.

— O que posso fazer? Não tenho escolha... — disse, murchando os lábios.

— Soube que você está participando do projeto de música do festival ArtPaz, vai tocar e cantar?

— Sim, depois de muita, mas muita insistência do Júlio e da Lara. Eles não paravam de me pressionar até que me inscrevi no festival. Acredito que será bom para mim. Quero focar no que realmente gosto de fazer, que é música.

— Ótimo, estou ansiosa para te ver tocar no dia. Não tenho nada marcado nesse dia, então estarei lá para prestigiar vocês. — disse Isabel, entusiasmada.

                                              ***

A ideia de me apresentar diante dos outros pacientes e suas famílias no festival ArtPaz era um desafio empolgante, mas ao mesmo tempo intimidador. Sabia que tinha apenas um mês para me preparar e transformar minhas emoções em música, e isso exigia dedicação e determinação.

Nos ensaios, encontrei um refúgio nas notas musicais e nas letras que ganhavam vida por meio da minha voz. Cada acorde era como uma expressão de tudo o que estava guardado dentro de mim, e, aos poucos, a música se tornou um canal para liberar os sentimentos que eu nem sabia que carregava.

Além de Dona Manuela, Júlio e Lara foram meus fiéis companheiros de jornada, apoiando-me em cada acorde e incentivando-me a explorar minha criatividade. Cada ensaio era uma oportunidade de nos unirmos através da arte, conectando-nos de forma única e intensa.

Certa tarde, estava em meu dormitório tentando compor uma música. Porém, as palavras não estavam se encaixando. No instante seguinte, lembrei de um momento divertido com minha mãe. Eu estava na sala compondo uma música para uma apresentação de artes no meu ensino médio. Minha mãe estava para lá e para cá em casa carregando o cesto de roupas.

— Essa casa está uma bagunça Miguel. Seu quarto têm roupas espalhadas por todo o canto. Desse jeito eu não consigo deixar as coisas em ordem. — disse ela com o cesto verde claro quase cheio.

— Desculpa mãe, vou me policiar mais com a minha bagunça. — falei semicerrando os dentes.

Ela deixou o cesto no meio da sala e veio me dar um beijo em minha cabeça.

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