capítulo X- Inicio do inverno

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    Marceline estava levemente tonta, lavava os pulsos no poço atrás da casa. Logo depois que ela acordou uma parte da parede se abriu mostrando uma escadaria para fora, para aquele poço.

    Lágrimas corriam por suas bochechas cortando a poeira enquanto ela lembrava de tudo que aconteceu... aquelas memórias doíam tanto.

    Escutava de longe Anthony falando com Dot e Mike. Mas preferiu nem prestar atenção, ela também achava que não conseguiria. Seu corpo doía, sua cabeça doía, seus braços não estavam cortados mas mostravam aquelas cicatrizes de meses atrás. Era como se tivesse vivido tudo aquilo de novo em pouco tempo e era tão... cansativo.

    Ela encarou aquele poço escuro e começou a chorar mais, mal se aguentava em pé.

    - Oi, Marcy.- Anthony disse se aproximando e ficando ao seu lado- Como tá o braço?- Ele viu que só continha cicatrizes e nenhuma ferida aberta- olha, pelo menos parou de sangrar, só deixou cicatriz.

    - Eu já tinha antes.- Disse ela puxando as mangas da roupa para tampar os pulsos.

    - Ah... Nesse caso eu sinto muito.- ele se sentou e esperou para que ela se sentasse do seu lado-  Olha, Marceline, eu... nem posso imaginar como isso tá sendo ou o que aconteceu... mas eu tô aqui e quero sempre estar pra você.

    Marceline se sentou do seu lado e apoiou a bochecha em seu ombro enquanto chorava. Anthony a abraçou firme, ela tremia e parecia tão... frágil. Tão machucada.

    - Shhh... passou agora, Marcy. Passou.- ele disse fazendo carinho no seu cabelo. Foi revigorante a sensação dela se acalmando e parando de chorar em seus braços.

    Marceline saiu do abraço porém continuou apoiada nele enquanto olhava para o bosque a sua frente. Ele passou o braço em volta dos seus ombros e olhou para aquele bosque com ela.

    - Tony... qual foi o pior momento da sua vida?

    - Acho que quando minha família foi embora. Eu tive que aprender tudo na marra e chorei mais porque a Dorothy não tinha sumido junto.- Ele disse em tom de piada, o que fez Marceline dar um risinho. Ela gostava das histórias dele, a acalmavam- Mas sério, eu era um magrelo desengonçado que não era bom em nada. A Vivian tinha me ensinado a usar o arco e flecha mas eu não era bom. Não era bom em nada.

    - E como vocês sobreviveram?

    - Quase não sobrevivemos. Foi difícil ter que lidar com o luto enquanto lutava pra não morrer. A gente ficou sem grana mas não queria se livrar dos móveis porque... lembrava nossa família... É até engraçado. Quando meus pais se casaram fizeram a casa com dois quartos, um pra eles e outro pra o filho que pretendiam ter. Aí nasceu o Wallace, depois a Vi e eles dividiram o quarto. Mas aí veio eu, e eles dividiram o quarto do Wallace no meio e colocou me colocou com ele e um quarto só pra vi. Aí veio a Dorothy e a Vi dividiu o quarto com ela. Mas aí veio meus irmãos mais novos, o quarto dos meus pais foi dividido no meio e fomos divididos por idade, eu e a Dot dividiamos o quarto. Mas mesmo depois que eles foram embora... a gente não transformou em dois quartos pra cada um ter o seu, ou então ficávamos em quartos diferentes, a gente ainda dormia no mesmo quarto...

    - Como se eles ainda estivessem lá?

    - ... É. Mas me fala de você. Você se dá bem com seus pais?

    - Meu pai morreu depois que minha mãe separou dele.

    - Ah, eles se separaram?

    - Meu pai teve um surto psicótico e quebrou um copo na parede do meu lado quando eu tinha quatro anos, eu me cortei com um caco e chorei de medo. Minha mãe me mandou pra o quarto e eles brigaram porque meu pai era... instável. Acho que ele deu um tapa nela, sei lá. Só sei que ela me levou pra casa da minha vó com ela... umas semanas depois eu fui visitar ele e ele se matou na minha frente.

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