Terça

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Terça-feira: três dias antes do Blackout.

Ana Carolina Soffredini entrou no elevador com uma ansiedade contida e pressionou o botão da cobertura, onde ficava seu escritório e o de Ulisses. Fitou o relógio em seu punho, passava das dez. Ela não estava preocupada com o horário, na realidade ela nem precisava estar ali, mas quando se levantou da cama (praguejando por ter que deixar seu edredom naquele friozinho) e foi se sentar na mesa do escritório de sua casa a fim de começar a trabalhar, percebeu que não conseguiria se concentrar. Bebeu mais um ou dois goles de seu café, tomou uma ducha e vestiu um de seus terninhos. O dia estava chuvoso e a apenas alguns dias atrás ela jamais sairia de casa sem que fosse estritamente necessário, no entanto, ali estava ela, ajeitando a lapela de seu blazer enquanto mirava sua imagem no espelho do elevador vazio, senão por ela. "O que você está fazendo, Carol?", ela pensou, mirando seus próprios olhos verdes. A sombra de um sorriso apareceu em seu rosto e ela o conteve com a mesma rapidez com a qual ele havia surgido. Estava brincando com fogo, ela sabia, e uma parte dela decididamente não aprovava suas atitudes, mas de alguma forma o impulso suicida era mais forte do que ela.

A porta do elevador se abriu em sua ampla cobertura. O hall de entrada era sofisticado e alegre, como Ulisses gostava que fosse. Ela escolheria menos cores se aquele lugar pertencesse só a ela, mas tinha que admitir que adorava o quanto aquele ambiente a colocava para cima. Cumprimentou Tamires, a assistente pessoal de Ulisses que acabava por auxiliá-la em algumas coisas também, já que ela não via necessidade de ter uma para si (raramente trabalhava na empresa e Lorena e suas assistentes eram de grande utilidade para ela quando trabalhava em casa). A simpática mulher sorriu de volta para ela e passou-lhe um bilhete do marido. Carol riu, balançando a cabeça em negativa.

"Quando ele vai começar a usar o celular?" - Ela disse, fitando o papel. - "Deus, isso é tão ultrapassado!"

Tamires riu.

"Sra. Soffredini, sabe melhor do que ninguém como o Sr. Ulisses é." - Ela ergueu um bloco com o que parecia ser outros bilhetes. - "Saio distribuindo essas coisas por toda a empresa e quando o questiono sobre o motivo de não mandar e-mails ou mensagens, ele revira os olhos e me diz para não encher."

Carol riu alto. Aquele era um comportamento bem típico do marido.

"Aliás, ele está aí?" - Ela meneou a cabeça em direção a porta do escritório do outro lado do hall. - "Nem o vi sair hoje."

Tamires meneou a cabeça em negativa.

"Está em reunião." - Ela levantou um bloquinho e uma caneta, sorrindo. - "Quer deixar um recado?" - Ela cantarolou em um tom sarcástico.

"Não, obrigada." - Ela respondeu, rindo e colocando a mão na maçaneta de seu escritório. - "Tamires..." - Ela se deteve por um segundo, incapaz de conter a pergunta. - "Algum bilhete para a Srta. Cardoso?" - Ela aguardou enquanto observava Tamires remexer no bloco de folhas que segurava, sentindo um súbito frio na barriga. Desde o dia anterior, não conseguia tirar a morena da cabeça e sabia muito bem que ela era o motivo pelo qual tinha se dado ao trabalho de sair de casa naquela manhã chuvosa.

"Não, Sra. Soffredini." - Tamires respondeu com um sorriso, apoiando por fim o bloco na mesa. Carol sentiu-se murchar, embora permanecesse impassível por fora. Adoraria ter uma desculpa para vê-la.

"Obrigada, Tamires." - E por fim, entrou em seu escritório.

Aquele era um lugar onde ela se sentia bem, embora usasse pouco. Havia sido decorado do jeito dela, nada muito chamativo, mas nada muito básico. De um lado, suas estantes com os livros que a ajudavam a trabalhar e uns outros que ela gostava de ler nas horas vagas. Do outro, uma máquina de café expresso e prateleiras com cafés de todo tipo. Ela era o que se podia chamar de viciada em café, mas não gostava de incomodar Tamires ou ter que ir a cafeteria tantas vezes no dia, de forma que a providenciou, e ela acabava por ser uma peça decorativa bastante agradável aos seus olhos. Por fim, no centro jazia sua espaçosa mesa com tudo que ela julgava necessário para não ter que levantar a cada segundo. Tirou seu blazer, pendurando-o sobre a cadeira e se sentando nela enquanto ligava seu laptop. Mal abriu o sistema da empresa quando o telefone tocou. Ela pressionou o botão para atender, o deixando no viva-voz.

Blackout | NarolOnde histórias criam vida. Descubra agora