Quarta

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Quarta-feira: Dois dias antes do Blackout.

Natália reconhecia que a situação não era nada boa. Desde que avistara Soffredini na segunda-feira, a mulher vinha tomando sua mente de forma insistente, tirando suas noites de sono. Quando a mulher deixou sua sala no dia anterior, ela ficou parada por um tempo na porta, sem reação, pensando por que, em nome de Deus, tinha que se interessar por uma mulher tão idiota e fora de seu alcance. Como se não bastasse, ficara perdida em pensamentos o resto da tarde, relembrando suas palavras: "Se mudar de ideia, sabe onde me encontrar". Se repreendeu inúmeras vezes por ter, de fato, cogitado procurá-la. Suspirou e se sentou em sua cadeira, já passava das dez da manhã e ela pretendia terminar o romance que estava lendo ainda naquele dia, por esse motivo, nem mesmo tinha passado na sala de Helena.

O romance, por sua vez, estava se revelando uma história incrivelmente leve e gostosa de ler. De fato, era a única coisa que conseguia desviar sua atenção da mulher por algum tempo. Contava a história de duas mulheres que haviam se conhecido na faculdade e nutrido sentimentos uma pela outra em segredo, embora nenhuma das duas tivesse sua sexualidade assumida. Alguns anos mais tarde, um reencontro não programado havia reaproximado as duas, que eram agora casadas e tinham suas vidas profissionais estáveis. A autora havia conseguido abordar de forma leve um tema complicado, que envolvia traições e escolhas decisivas. Definitivamente, aquele era um bom livro e Natália permaneceu imersa em sua leitura até a chegada de suas estagiárias, percebendo com um sobressalto que não tinha sentido as horas passarem (e que para não a ter procurado até aquele momento, Helena só podia estar morta).

"Alice, Íris..." - Ela as cumprimentou, fechando o livro e colocando-o sobre a mesa. - "Tudo bem com vocês?"

As meninas assentiram. As faces abatidas relembrando a Natália como a vida universitária podia ser cansativa.

"Já sabem o que fazer, não é?" - Ela se levantou, se espreguiçando. Sabia que as meninas tinham tarefas pendentes do dia anterior, portanto não precisaria orientá-las naquele momento. - "Preciso comer alguma coisa e quando voltar..." - Ela apoiou a mão sobre o livro. - "Tenho que terminar essa belezinha aqui." - Ela as olhou, agora tinha um sorriso no rosto e sempre ficava com vontade de rir quando via a expressão de Alice suavizar. Por algum motivo a menina parecia se sentir intimidada por ela. - "Posso confiar em vocês?"

"Claro." - Íris respondeu, se sentando em um dos computadores. Alice fez o mesmo. Natália assentiu e deixou a sala a fim de ver se Helena estava viva.

Ela estava viva, por fim, mas atolada em trabalho. Mal olhou para Natália quando esta abriu a porta de sua sala. Naquele dia, sua desorganização tinha batido o recorde. Seria possível filmar uma cena de guerra digna de um Oscar naquele ambiente.

"Deus, Helena..." - Ela riu. - "O que aconteceu aqui?"

Helena bufou. Estava com cara de poucos amigos.

"Sem estagiárias hoje, meu bem." - Ela parou o que estava fazendo para encarar a amiga. - "Quer me doar uma?"

Natália riu.

"Não, muito obrigada..." - Ela disse, dando uma olhada ao redor sem acreditar na quantidade de objetos que estavam fora do lugar. - "Precisa aprender a lidar com seus problemas..."

"Não enche, Nat..." - Ela resmungou. - "Tudo já está ruim o suficiente."

O mau humor de Helena (e a falta de estagiárias) tinha motivo. No dia anterior, a ruiva tinha discutido com sua namorada (e estagiária), que disse a plenos pulmões que não queria mais vê-la nem pintada de ouro e que não apareceria mais na empresa. Helena não havia dado muita ideia, a final, sabia que era difícil conseguir um estágio em uma editora de renome como aquela, e confiava que a menina apareceria. A mesma não só não apareceu, como a sua amiga (por um acaso, a outra estagiária de Helena) parecia ter tomado as dores da garota.

Blackout | NarolOnde histórias criam vida. Descubra agora