Passado e presente

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"Está mais calma?" – Helena perguntou, estacionando o carro em frente ao condomínio de Sylvia. – "Tem certeza de que não quer que eu entre com você?"

Natália assentiu, respirando fundo e amarrando os cabelos em um rabo de cavalo. Se sentia um pouco mais calma, ainda que a tristeza a cortasse por dentro. Sua noite não seria fácil...

"Não quero anunciar minha chegada e o porteiro ainda me conhece. Vou conseguir entrar." – Disse, saindo do carro e dando uma boa olhada no local. Sentiu seu coração bater mais forte no peito.

"Natália!" – Helena abaixou o vidro do carona, a chamando. – "Se precisar de alguma coisa, me liga." – A ruiva tinha um semblante preocupado, e não era para menos. Quando chegara a casa de Natália, a amiga estava em prantos. Teve que ficar longos minutos ao seu lado, a consolando. Teve que lhe dar um copo de água mesmo que ela estivesse na cozinha. Teve até mesmo que convencê-la a tomar um banho a fim de pensar mais claramente... Já começava a ficar preocupada quando a morena finalmente se levantou no chão e fez o que ela pedia, vestindo uma calça jeans e uma regata simples em seguida. Helena teve que lembrá-la da jaqueta, pois fazia frio, mas Natália não parecia sentir nada que não fosse dor.

"Vou ficar bem..." – A morena disse, forçando um sorriso e se pondo a caminhar até a entrada de pedestres. Cumprimentou o porteiro, que pareceu verdadeiramente surpreso ao vê-la ali.

"Está de volta, Sra. Cardoso?" – Perguntou, animado. Natália também gostava muito do homem.

Ela fez que não.

"Só estou de visita, Henrique." – Sorriu o melhor que pôde. O simpático senhor liberou o portão e ela entrou.

"A senhora faz falta aqui." – Ele disse, a fazendo suspirar. Ela observou o complexo de casas a sua frente... se lembrava claramente de como havia sido visitá-las, uma a uma com Sylvia.

"Eu também sinto falta daqui." – Disse, colocando as mãos nos bolsos de seus jeans e caminhando pela calçada. Passou pela praça no condomínio, observando o parquinho onde achou que um dia seus filhos brincariam. Passou pela quadra de basquete, onde jogava com seus amigos e os de Sylvia (inclusive aquele que a havia traído). Era tudo tão doloroso... ela nunca mais voltara ali depois do dia em que vira a fatídica cena. Helena, sua fiel amiga (e um dia ela teria que retribuir tudo o que aquela ruiva fazia por ela, ela pensava enquanto andava por suas lembranças), havia cuidado de sua mudança. Ela havia conversado com Sylvia em um bar, apenas para entender o que tinha acontecido e pedir o divórcio. A mulher havia chorado, implorado por perdão, assim como vinha fazendo ao longo dos dois anos em que estavam separadas, mas parecia não entender o quão doloroso tinha sido para Natália passar por aquilo. Pensando bem, Natália nem mesmo tinha certeza se havia conseguido expressar a ela, tamanha era a fúria que sentia... só se lembrava dos xingamentos que havia lançado a ela, da dor que sentira ao ter seus sonhos quebrados abruptamente, da vontade enorme que tinha de nunca mais vê-la na vida. Perdida nesses pensamentos, finalmente parou em frente à casa número doze. A luz da sala estava acesa, e uma nova onda de emoções invadiu seu peito. "Será que um dia conseguirei ser feliz?" Pensou, enquanto tocava o interfone. Esperou por um tempo, e logo Sylvia apareceu na porta da frente, vestida em seus pijamas. Natália respirou fundo. A dor que sentia era tão grande que não conseguia sentir raiva da mulher, só uma imensa necessidade de pôr um fim em tudo aquilo.

"Natália..." – A mulher sussurrou, correndo até o pequeno portão gradeado que separava sua casa da rua. Bart, o imenso Bernese que Natália havia dado para ela em seu aniversário de um ano de casamento, veio na frente da mulher, balançando o rabo. Natália acabou sorrindo quando Sylvia abriu o portão e o cachorro pulou em cima dela, feliz em vê-la.

"E aí, garotão?" – Ela se abaixou no gramado, afagando o espaço entre suas orelhas. – "Como você está? Está cuidando da casa?" – Bart lambeu-lhe o rosto, ela se levantou e limpou, um riso triste saindo de seus lábios. – "Precisamos conversar, Sylvia." – Ela disse, sem rodeios. A face agora impassível, fitando os olhos surpresos da mulher. Ela realmente não a estava esperando.

Blackout | NarolOnde histórias criam vida. Descubra agora